Código de Defesa do Consumidor: aplicação entre pessoas jurídicas Código de Defesa do Consumidor: aplicação entre pessoas jurídicas

Código de Defesa do Consumidor: aplicação entre pessoas jurídicas

Com o crescimento de vendas online, o código de defesa do consumidor teve que se adaptar às relações econômicas que se estabeleceram nas últimas décadas

Por Victória Goldenfum e Layon Lopes*

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), foi instituído em nosso sistema legal para proteger as relações de consumo, principalmente após o advento da produção industrial em massa no nosso país. A necessidade de instituir uma legislação protetiva à parte “frágil” da relação de consumo foi efetivamente avaliada pelos nossos legisladores, culminando na criação do Código de Defesa do Consumidor em 1990. 

Nesta senda, uma das grandes dúvidas que gira em torno do Código de Defesa do Consumidor, é a sua a aplicação em relações entre empresas, quando uma Pessoa Jurídica, por exemplo, se coloca no polo comprador/contratante da relação.  Não obstante, afirmo que esta problemática é debatida na jurisprudência e doutrina nacional, fator que gerou diversas teorias de aplicação da regra consumerista na relação entre pessoas jurídicas.

No artigo de hoje, iremos apresentar uma breve análise sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas atividades econômicas travadas entre pessoas jurídicas. Em especial, iremos abordar esta sistemática, através da operação econômica de plataformas online, os conhecidos SAAS (Software as a Service), que oferecem ao mercado ambientes digitais para compra e venda de produtos, ou ainda contratação de serviços.

Após o advento da crescente venda online, o Código de Defesa do Consumidor, bem como outras grandes leis de nosso ordenamento jurídico, tiveram que se adaptar às relações econômicas que se estabeleceram nas últimas décadas. Não é à toa, que a recente Lei do Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014, expressa no seu Art. 7º, inciso XIII que “a aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo também será assegurado nas operações comerciais realizadas através da internet”.

É de suma importância a clara compreensão da incidência do Código de Defesa do Consumidor no comércio online. Principalmente quando as empresas que licenciam plataformas, trabalham no ramo B2B (Business to Business), ou seja, possuem como cliente final pessoas jurídicas.

Não é incomum que licenciantes cheguem neste questionamento no decorrer da sua operação comercial, questionando-se se devem ou não respeitar o direito do consumidor, quando a solução de suas plataformas são direcionadas principalmente para clientes finais que se constituem como pessoas jurídicas, fator que faz necessário estressarmos o presente debate.

Explicamos que o Código de Defesa do Consumidor, foi criado para proteger a parte hipossuficiente da relação de consumo. A sua importância no regime jurídico brasileiro foi tanta, que o próprio legislador enquadrou o direito do consumidor como direito fundamental. 

Assim, expresso que o Código de Defesa do Consumidor estabelece em seu Art. 2º que “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. 

Ou seja, podemos sanar a primeira dúvida expressando que sim, as pessoas jurídicas podem ser consideradas como consumidor frente ao Código de Defesa do Consumidor, e consequentemente estão aptas a invocarem os direitos expressos no referido dispositivo legal.  

Contudo, como comentado na introdução do presente Artigo, este é um dos grandes temas de debate na jurisprudência e doutrina nacional. E o entendimento majoritário identificado, trabalha através da limitação da incidência do Código de Defesa do Consumidor, quando a pessoa jurídica se enquadra no polo adquirente.

Como expresso na letra da Lei, a pessoa jurídica apenas será considerada como consumidora, em relações que a mesma figurar como destinatária final dos produtos ou serviços adquiridos. Ou seja, a aplicação do CDC não é absoluta! Na verdade, o que se observa no mercado, é a aplicação do Código de Defesa do Consumidor de forma excepcional. Incidindo na maioria dos casos, não a relação consumerista, mas sim uma relação empresarial, entre pessoas jurídicas, que possui como fulcro protetivo, o Código Civil Brasileiro. 

Podemos delimitar melhor o presente cenário, compreendendo a situação em que uma empresa adquire um produto ou contrata um serviço, para aplicação em seu estabelecimento comercial ou indústria, com o fim de impulsionar a sua cadeia produtiva. A utilização do produto ou serviço, serve como efetivo insumo de produção. Nesta operação econômica, a Pessoa Jurídica contratante, não será considerada como destinatária final, e portanto não configurará a incidência do Código de Defesa do Consumidor, e as obrigações que nele estão expressas. 

Este entendimento é plenamente debatido através da Teoria Finalista das relações de consumo. Esta teoria, analisa em seu cerne, a finalidade de quem está adquirindo um produto ou serviço, de acordo com o caso concreto. Os doutrinadores Cláudia Lima Marques e Antônio Herman V. Benjamim, nomes de destaque na produção jurídica e defensores da teoria finalista, definem o conceito de “destinatário final” do art. 2º do CDC:

O destinatário final é o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem, incluindo o serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço de construção, nos seus cálculos do preço, como insumo da sua produção.” (In “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, 2ª Ed.,São Paulo, Editora Revista do Tribunais, 2006, p. 83/84)

Assim podemos concluir que a margem de incidência ou não do Código de Defesa do Consumidor é limiar, dependendo do tipo de serviço ou produto ofertado ao mercado. 

Outro fator amplamente identificado, que também necessita estar configurado para que uma pessoa jurídica se estabeleça no polo consumerista da relação, é a sua posição como efetiva parte vulnerável. Ou seja o cenário de hipossuficiência concreta deve estar configurado. 

Cumpre esclarecer que o conceito de vulnerabilidade pode ser identificado quando esta pessoa jurídica se encontra em capacidade econômica inferior ao fornecedor, com nível de informação/conhecimento insuficiente sobre o bem ou produto adquirido. Ou ainda quando a empresa adquirente tiver certa dependência do fornecimento do produto ou serviço, pelo monopólio da produção do bem ou sua qualidade insuperável; pela extrema necessidade de adquirir o bem ou serviço, entre outros fatores analisados no caso concreto. 

Quando passamos a presente análise para as relações comerciais traçadas através de plataformas online (SAAS), como os modelos de negócios envolvendo e-commerce de venda de produtos para a indústria (venda de autopeças de carros, materiais de limpeza e construção, entre outros) ou ainda, no segmento de serviços, como plataformas de gestão de pontos de venda comercial, plataforma de armazenamento de dados em nuvem, conseguimos identificar que o tipo de serviço, ou o tipo de produto comercializado, claramente se enquadram como fatores de incentivo à cadeia produtiva deste consumidor final, quando este coincidir em ser uma pessoa jurídica, que pratica atividade econômica que necessita a contratação destes bens ou serviços.

Assim, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor não rege na relação expressa, as obrigações legais do fornecedor alteram-se consideravelmente. E obrigações que o direito consumerista exige normalmente, como o direito de devolução do bem ou contratação do serviço em sete dias, conhecido como direito de arrependimento, ou ainda, o dever de garantia nas condições expressas no CDC, não são aplicados, e o fornecedor pode acordar as regras da relação empresarial de acordo com a vontade das partes, respeitando claro o Código Civil Brasileiro. 

Assim, se você empresário, está com dúvidas se o seu empreendimento é protegido ou não pelo Código de Defesa do Consumidor, te indicamos contatar a assessoria do Silva | Lopes Advogados, para lhe auxiliar com a presente análise. A fim de identificar se os procedimentos internos da empresa, bem como as condições comerciais oferecidas, estão efetivamente de acordo com as exigências legais da atividade econômica desenvolvida pela empresa.

*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Goldenfum é integrante do time do escritório.

 

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