Por Daniela Froener, Renan Raffo e Layon Lopes*
Empresas que comercializam software a terceiros enfrentam, há alguns anos, certos dilemas em relação à tributação do seu produto. Pelas regras atuais, de fato há um imbróglio sobre a questão, que pode dificultar o discernimento acerca de qual imposto deve ser recolhido em cada contexto. Vejamos quais são os possíveis cenários:
- Softwares disponibilizados através de suporte físico, isto é, aqueles licenciados através de pen drive, CD-ROM, disquete (alguém sabe o que é isso?), ou qualquer outra forma de suporte físico, sofrerá a incidência de ICMS, imposto estadual, com alíquota que varia de Estado para Estado (pra quem já se esqueceu das aulas de Geografia, o Brasil possui 27 Unidades Federativas), podendo chegar até a alíquota máxima de 18%;
- Softwares disponibilizados através de download, chamados de ‘baixáveis’, também sofrem a incidência de ICMS, mas, normalmente, detêm uma alíquota menor, em torno de 5%;
- SaaS, com possibilidade de customização ou não, são tributados através do ISS, imposto Municipal, com alíquota que varia de Município para Município (o Brasil possui 5.570 municípios, pois é), detendo limite legal mínimo 2% e máximo de 5%;
- Softwares disponibilizados sob encomenda, que são aqueles feitos exclusivamente sob demanda de um cliente específico, para quem, inclusive, o desenvolvedor do software cede de forma irrevogável os direitos econômicos sobre a obra, também são tributados pelo ISS.
As diversas possibilidades de incidência tributária, variando de acordo com a situação, causa muita confusão e insegurança, pois empresários que, muitas vezes, não possuem o conhecimento técnico-jurídico para tal, não entendem por que a diferença entre as formas de disponibilização do software pode alterar o imposto incidente (ICMS ou ISS) e, por conseguinte, gerar um impacto fiscal enorme ao modelo de seu negócio.
Aliás, não é raro ver empresas alterando por completo o seu modelo de negócio para fazer a disponibilização do software de forma diversa do inicialmente pensado, justamente para sofrer a incidência de ISS, imposto mais barato que o ICMS.
Explicamos que estados e municípios, já há muitos anos, brigam pela competência de tributar os softwares, causando verdadeira insanidade fiscal, e obrigando empresas com modelos de negócio inovadores a pagar tanto o ISS quanto o ICMS, como vimos ocorrer com Netflix e Spotify.
O nosso entendimento é que a incidência tanto de ISS, quanto de ICMS, sobre o licenciamento do software seria inconstitucional.
Sobre a incidência do ICMS sobre o software, baseado na circulação de mercadorias, temos que o referido imposto (ICMS-mercadoria) detém como critério material de sua RMIT (regra-matriz de incidência tributária) a circulação de mercadorias, sendo o fato gerador a transmissão de propriedade, ou seja, típica obrigação de dar.
Assim, para que o ICMS-mercadoria incida, precisamos que uma pessoa entregue a outra, a título oneroso, uma mercadoria, transferindo, inclusive, a propriedade desta, o que ocorre quando compramos um tênis, por exemplo.
Porém, quando se trata de software, não há a ocorrência da transferência de propriedade. Nos casos de disponibilização de software, seja através de meio físico, download ou SaaS, não há a transferência da propriedade ao usuário. Muito pelo contrário, esta permanece com quem disponibilizou o software que, inclusive, proíbe o usuário de infringir os respectivos direitos autorias.
Assim, em não havendo a transferência de propriedade, não há que se falar em circulação de mercadoria, sendo irrelevante o suporte físico utilizado para a disponibilização do software. Logo, sem circulação de mercadoria, não deveria haver a incidência ICMS.
A necessidade de analisar-se o suporte físico por meio do qual o software é disponibilizado, famoso conceito de software de prateleira, nasceu através de infeliz entendimento exarado pelo STF, que mais preocupou-se com a circulação de um CD-ROM do que estudar a tipicidade de um contrato de licenciamento. Verdadeira aberração. Ora, podemos (ou podíamos) comprar o Pacote Office através de um CD-ROM na Fnac, mas tal situação jamais nos transferiria a propriedade do software, esta que sempre se manteve da Microsoft.
Bom, mas em relação ao software disponibilizado sob encomenda? Neste caso há a cessão dos direitos de exploração para a pessoa que encomendou o software, podemos entender isto como uma transferência de propriedade para fins de incidência de ICMS-mercadoria? Também nos parece que não.
Analisando o ICMS-mercadoria, vemos que a circulação da mercadoria tem origem em uma obrigação de dar; no entanto, o contrato com desenvolvedor de software prevê uma obrigação de fazer, típico contrato de prestação de serviços, atividade pertencente ao critério material de outro imposto, o ISS.
Então, se pudéssemos aceitar a incidência de algum imposto sobre software seria somente no caso mencionado acima: ISS sobre a prestação de serviço de desenvolvimento de software sob encomenda. Mas atenção: a incidência do ISS não seria sobre o software em si, mas sobre a prestação do serviço do profissional desenvolvedor de software.
E por que não ISS sobre SaaS? Quando contratamos um SaaS, o que recebemos é uma licença de uso, sendo que mantemos esta pelo tempo em que o serviço é contratado. Ou seja, sem o pagamento da licença, sem acesso ao SaaS. Logo, não vemos nesta relação jurídica uma obrigação de fazer, mas sim, de dar, porém, sem a transferência de propriedade do software, que continua sendo do licenciador. Assim, sem obrigação de fazer, sem ISSQN; e sem a transferência de propriedade, sem ICMS.
Desta forma, parece que, sobre o SaaS, não deveria incidir nem ISS, nem ICMS, tal qual acontece com o aluguel de bens móveis.
Diante deste cenário, parece-nos que a tributação do licenciamento de software, independentemente da forma como se dê, é inconstitucional. Mas, como, na prática, a teoria é outra, software licenciado através de meio físico ou download, é tributado através do ICMS, e software licenciado através de SaaS ou desenvolvido por encomenda, é tributado através de ISS.
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*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados, Froener é COO e Raffo é integrante da equipe do escritório.