Por Mariana Asterito e Layon Lopes*
A nova Medida Provisória (MP936) está valendo desde o dia 1º de abril e institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda dispondo sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido decorrente do coronavírus (Covid-19). No entanto, se faz importante atentar aos aspectos sensíveis acerca da constitucionalidade de alguns trechos da nova medida.
Nessa terça-feira, dia 6, o ministro Ricardo Lewandowski, em análise de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, declarou a inconstitucionalidade de trechos que dispensavam a participação de Sindicatos nas negociações.
Escrevemos este artigo com o intuito de primeiro explicar e apresentar comentários quanto às inovações trazidas pela Medida Provisória, e posteriormente analisar a recente decisão do STF quanto ao delicado tema que possui reflexos além do que o previsto no trecho da MP.
O governo apresentou duas novas possibilidades de alterações nos contratos de trabalho com o intuito de diminuir o impacto econômico das empresas:
I – redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; e
II – suspensão temporária do contrato de trabalho.
Para ambas as hipóteses foi criado o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda será custeado com recursos da União que irá complementar parcialmente o salário dos empregos.
Sobre a complementação de salário por parte do Governo
Ela será devida a partir da data do início da redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho, observadas as seguintes disposições:
I – o empregador informará ao Ministério da Economia a redução da jornada de trabalho e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho, no prazo de dez dias, contado da data da celebração do acordo. Estamos diligenciando como será feita esta comunicação.
II – a primeira parcela será paga no prazo de trinta dias, contado da data da celebração do acordo, desde que a celebração do acordo seja informada no prazo de 10 dias antes mencionado.
III – o Benefício Emergencial será pago exclusivamente enquanto durar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho.
O Benefício Emergencial que será pago aos empregados em complementação terá como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, observadas as seguintes disposições:
I – na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário, será calculado aplicando-se sobre a base de cálculo o percentual da redução; e
II – na hipótese de suspensão temporária do contrato de trabalho, terá valor mensal:
- a) equivalente a 100% por cento do valor do seguro-desemprego a que o empregado teria direito;
- b) equivalente a 70% do seguro-desemprego a que o empregado teria direito.
Todos os empregados podem participar, com exceção dos que estão já em gozo de benefício de prestação continuada da previdência, de seguro-desemprego, ou que receba bolsa de qualificação profissional.
Da redução proporcional de jornada de trabalho e de salário
O empregador poderá acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário de seus empregados. As disposições são as seguintes:
- Durará por até o máximo de 90 dias;
- O valor do salário-hora deverá ser mantido;
- Deverá ser procedido acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos;
- A redução da jornada de trabalho e de salário, só poderá ser feita nos seguintes percentuais: 25%, 50% ou 75%;
- A jornada de trabalho e o salário pago anteriormente serão restabelecidos no prazo de dois dias corridos, contado: da cessação do estado de calamidade pública; da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento do período e redução pactuado; ou da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sobre a sua decisão de antecipar o fim do período de redução pactuado.
Da suspensão temporária do contrato de trabalho
O empregador poderá acordar a suspensão temporária do contrato de trabalho de seus empregados. Algumas das regras:
- A suspensão poderá ser realizada pelo prazo máximo de sessenta dias, que poderá ser fracionado em até dois períodos de trinta dias;
- Deverá ser procedido acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos;
- O empregado terá direito aos benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados, tais como vale-alimentação, etc;
- O contrato de trabalho será restabelecido no prazo de dois dias corridos, contado: da cessação do estado de calamidade pública; da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento do período e suspensão pactuado; ou da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sobre a sua decisão de antecipar o fim do período de suspensão pactuado;
- O empregado não pode trabalhar no período, nem mesmo de home office, sob pena de aplicações de multa e obrigatoriedade ao pagamento de todas as verbas do período;
- A empresa que tiver auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00, somente poderá suspender o contrato de trabalho de seus empregados mediante o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de 30% do valor do salário do empregado, durante o período da suspensão temporária de trabalho pactuado.
Da ajuda de custo por parte do Empregador
O Benefício Emergencial pago pelo Governo poderá ser acumulado com o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, em decorrência da redução de jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária de contrato de trabalho.
Essa ajuda compensatória:
- deverá ter o valor definido no acordo individual pactuado ou em negociação coletiva;
- terá natureza indenizatória;
- não integrará a base de cálculo do imposto sobre a renda retido na fonte ou da declaração de ajuste anual do imposto sobre a renda da pessoa física do empregado;
- não integrará a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários;
- não integrará a base de cálculo do valor devido ao FGTS; e
- poderá ser excluída do lucro líquido para fins de determinação do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.
Na hipótese de redução proporcional de jornada e de salário, essa ajuda compensatória não integrará o salário devido pelo empregador. Ou seja: a empresa pode reduzir a jornada, o salário, o Governo complementará parte conforme os termos explicados e levando em conta os valores do Seguro Desemprego, porém a empresa poderá pagar, além do salário já reduzido, uma ajuda de custos que não integrará o salário para nenhum fim, de forma que não haverá reflexos em 13º, aviso prévio, FGTS, etc.
Estabilidade no emprego
Os empregados que receberem o Benefício Emergencial em decorrência da redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho terão garantia provisória ao emprego:
- durante o período acordado de redução da jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho; e
- após o restabelecimento da jornada de trabalho e de salário ou do encerramento da suspensão temporária do contrato de trabalho, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão.
Podemos exemplificar da seguinte forma: se a jornada de trabalho e o salário forem reduzidos por três meses, este funcionário terá estabilidade durante os três meses da estabilidade e mais três meses a contar do restabelecimento da jornada normal.
Em caso de demissão no período a empresa, além de pagar as verbas rescisórias, deverá pagar indenizações.
Envolvimento de Sindicatos, Acordo e Convenções Coletivas
A convenção ou o acordo coletivo de trabalho poderão estabelecer percentuais de redução de jornada de trabalho e de salário diversos dos previstos sobre a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário aqui dispostos.
Em caso de negociação feita através de Acordo Coletivo ou Convenção Coletiva o Benefício Emergencial será devido aos trabalhadores nos seguintes termos:
- sem percepção do Benefício Emergencial para a redução de jornada e de salário inferior a vinte e cinco por cento;
- de vinte e cinco por cento para a redução de jornada e de salário igual ou superior a vinte e cinco por cento e inferior a cinquenta por cento;
- de cinquenta por cento sobre a base de cálculo para a redução de jornada e de salário igual ou superior a cinquenta por cento e inferior a setenta por cento;
- de setenta por cento sobre a base de cálculo para a redução de jornada e de salário superior a setenta por cento;
- Os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração.
Da desnecessidade do intermédio do Sindicato para alterações do contrato de trabalho
Poderão ser realizadas as medidas suspensão do contrato ou de redução da jornada, através de acordo individual escrito, sem intermédio do Sindicato, junto aos empregados:
- com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 ; ou
- portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a R$ 12.202,00.
- Para hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário de 25% poderá ser acordado individualmente com o funcionário independentemente do salário.
Para os empregados não enquadrados nas situações acima previstas, as medidas somente poderão ser estabelecidas por convenção ou acordo coletivo.
Da recente decisão proferida pelo STF declarando a inconstitucionalidade do trecho que dispensa a participação de Sindicato em julgamento de medida cautelar
Na análise preliminar à título de medida cautelar proferida, Lewandowski entendeu pela inconstitucionalidade dos trechos da MP936 que autorizam a suspensão de contratos de trabalho ou de redução de salários e jornada sem a participação do sindicato representativo dos trabalhadores.
O ministro embasou sua fundamentação tendo em vista os recentes posicionamentos proferidos pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem assim das medidas adotadas por outros países europeus que dispuseram a necessária participação de organizações de empregadores e empregados na construção de respostas às crises.
A inconstitucionalidade se baseia no artigo 7, VI (irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo), XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho) e XXVI (XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho), e 8, III (ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas) e VI (é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho), da Constituição.
Dessa forma, somente se convalidarão os acordos de redução de jornada ou de suspensão do contrato de trabalho após a manifestação dos sindicatos dos empregados.
Na ausência de manifestação destes, no prazo de até dez dias corridos, será lícito aos interessados prosseguir diretamente na negociação até seu final.
Conforme mencionado, essa decisão foi em antecipação de tutela, porém possui efeito imediato. O julgamento pelo STF está marcado para o dia 16 de abril de 2020.
Outras disposições
- O disposto na Medida Provisória se aplica aos contratos de trabalho de aprendizagem e de jornada parcial;
- Em caso de adoção das duas modalidades, o tempo máximo de redução proporcional de jornada e de salário e de suspensão temporária do contrato de trabalho, ainda que sucessivos, não poderá ser superior a 90 dias;
- O benefício emergencial mensal será devido a partir da data de publicação desta Medida Provisória e será pago em até trinta dias.
Conclusão
Por fim, salientamos que a medida provisória é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da república, em casos de relevância e urgência. Produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei. Seu prazo de vigência é de 60 dias, prorrogáveis uma vez por igual período. Caso contrário ela perde eficácia.
Por esta razão, é muito importante que as empresas não tomem qualquer medida sem o apoio e respaldo de jurídico especializado, visto que é de extrema importância que as medidas provisórias sejam analisadas em conjunto com as regras constitucionais vigente no país e de acordo com a situação fática enfrentada pela empresa tendo em vista o cenário de pandemia.
A não observação do contexto jurídico como um todo pode acarretar problemas futuros maiores para a empresa.
As medidas previstas na MP 927, sobre a qual já escrevemos permanecem em vigor.
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*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Asterito é integrante da equipe do escritório.