Por Laura Mallet, Gustavo Chaves Barcellos e Layon Lopes*
Em um arranjo de pagamento, a remuneração de instituições de pagamento emissoras de moeda eletrônica – cartão pré-pago, ou instituições financeiras – cartão de débito, se dá através da cobrança da Tarifa de Intercâmbio (TIC), que se trata de percentual do valor da compra, determinado pelo regulamento do arranjo de pagamento, retido pela instituição credenciadora e repassado à instituição que emitiu o cartão. Contudo, para cartões de débito, havia teto para a cobrança da Tarifa de Intercâmbio, enquanto para cartões pré-pagos não havia.
Isto foi recentemente alterado através da publicação da Resolução BCB nº 246/2022 pelo Banco Central do Brasil (Bacen), que entra em vigor em 1º de abril de 2023 e que instituiu o teto para Tarifa de Intercâmbio de cartões pré-pagos, assim como, estabeleceu que os cartões de débito e pré-pagos devem ter o mesmo prazo de liquidação perante o arranjo de pagamento.
Formas de Remuneração em Arranjo de Pagamento
Para melhor esclarecer como as instituições participantes de um arranjo de pagamento se remuneram, apresentamos as definições abaixo:
- Instituidor de Arranjo de Pagamento (Bandeira) – responsável pela estrutura e regulamento do arranjo de pagamento, que possibilita a liquidação das transações realizadas através de cartão de crédito, débito e pré-pago. Ex. MasterCard, Visa, Elo.
- Instituição de Pagamento Emissora de Moeda Eletrônica – responsável pela gestão de contas de pagamento e emissão do instrumento de pagamento, neste caso, o cartão pré-pago. Ex. Nubank
- Instituição de Pagamento Credenciadora – responsável por credenciar estabelecimentos para receber valores de venda de seus produtos ou serviços através da máquina de cartão e outros meios. Ex. Cielo, GetNet.
A relação de um arranjo de pagamento, para possibilitar a realização de uma transação, de forma breve, funciona conforme abaixo:
Portanto, vê-se que o portador realiza uma transação com o seu cartão pré-pago perante o lojista, de forma que o emissor realiza a liquidação dos valores através dos sistemas da Bandeira que são repassados à credenciadora, para que então a credenciadora repasse ao Lojista, nos prazos do arranjo de pagamento.
A remuneração dos participantes do arranjo de pagamento se dá através da cobrança, pela credenciadora, da Taxa de Desconto (Merchant Discount Rate, MDR), um percentual cobrado sobre o valor da compra pela utilização da tecnologia da credenciadora para recebimento de pagamentos através dos cartões de crédito, débito ou pré-pago.
O MDR é rateado entre os participantes do arranjo de pagamento, de forma que parte do MDR é denominada de Tarifa de Intercâmbio, sendo a remuneração devida às Emissoras, parte é a Tarifa da Bandeira, em razão da utilização dos sistemas de liquidação dos arranjos de pagamento e o restante é a remuneração da Credenciadora.
Como eram as regras regulatórias anteriores a Resolução BCB nº 246/22?
Considerando a forma de remuneração apresentada acima, o Bacen havia instituído, através da Circular BCB nº 3.887/18, para as transações realizadas através de cartão de débito, teto de Tarifa de Intercâmbio que não podia ultrapassar 0,8% por transação, assim como, 0,5% da média ponderada dos valores das transações, enquanto para as transações realizadas através de cartões pré-pagos a Tarifa de Intercâmbio não possuía teto de cobrança, cabendo a cobrança de percentual que entenderem mais vantajoso comercialmente, definido através do arranjo de pagamento.
A inexistência de teto para a Tarifa de Intercâmbio de cartões pré-pagos era oriunda da estratégia do Banco Central de disseminar os serviços de pagamentos para parte da população desbacancarizada, gerando inclusão financeira. Também, foi um formato de dinamizar o mercado e de gerar concorrência e competitividade entre as instituições participantes dos sistemas de pagamento.
Veja que os cartões de débito, atrelados à conta corrente, e os cartões de crédito, que dependiam da análise de crédito para liberação de limite de uso dificultavam a inclusão financeira, de forma que os cartões pré-pagos, atrelados às contas de pagamento, facilitam o processo de abertura de conta de pagamento àquelas que não possuem contas correntes ou crédito positivo que leve à liberação de cartões de crédito.
Contudo, a inclusão do teto da Tarifa de Intercâmbio para cartões de débito também foi utilizada como uma espécie de “teste”, com o intuito de verificar novos formatos que visassem a diminuição da taxa de MDR aplicável aos estabelecimentos comerciais.
Qual a origem das alterações pelo Bacen para a Resolução BCB nº 246/22?
No ano de 2021, o Banco Central realizou o Estudo Especial nº 106/21 que avaliou os resultados decorrentes da aplicação dos limites máximos nas Tarifas de Intercâmbio dos cartões de débito e concluiu que tal aplicação não promoveu qualquer impacto na utilização deste instrumento de pagamento pelos consumidores, assim como gerou a diminuição da média do MDR cobrados de estabelecimentos comerciais.
A partir deste resultado positivo, o Banco Central, ao final de 2021, abriu a Consulta Pública nº 89/21, para coletar opiniões do mercado relativos ao limite de 0,5% para a Tarifa de Intercâmbio para todas as transações, com o objetivo de padronizar a cobrança, e a vedação de prazos máximos diferentes para disponibilização dos recursos ao lojista/estabelecimento envolvendo os cartões de débito e pré-pago.
A edição da Consulta Pública acima referida gerou grande preocupação às instituições de pagamento que, atualmente, possuem poucos meios de realizar cobranças pelos seus serviços em razão da competitividade do mercado, visto que evitam realizar cobranças específicas aos consumidores para trazer a diferenciação dos serviços de pagamentos dos serviços bancários, para então promover a inclusão financeira dos desbancarizados, nos termos da estratégia inicial do Banco Central, de forma que a Tarifa de Intercâmbio é vista como um dos principais meios de renda de tais instituições.
Em razão disso, as instituições de pagamento estavam apreensivas com os próximos passos a serem realizados pelo Banco Central, que detinha o potencial, em razão do acima indicado, de alterar o caminho do mercado de pagamentos e potencialmente gerar efeito contrário no que concerne à inclusão financeira, visto que as instituições de pagamento terão que buscar outros meios de se remunerar.
Novas regras – Resolução BCB nº 246/22
- Teto para Tarifa de Intercâmbio
Através da Resolução BCB nº 246/22, o Banco Central implementou o teto da Tarifa de Intercâmbio também para transações realizadas através de cartões pré-pagos no valor de 0,7%, mantendo o teto da Tarifa de Intercâmbio para os cartões de débito em 0,5%.
Na exposição de motivos emitida pelo Bacen relacionada à publicação da Resolução BCB nº 246/22, foi destacada como uma das principais justificativas para a criação do teto da Tarifa de Intercâmbio para os cartões pré-pagos, o repasse dos custos da cobrança de percentual alto da Tarifa de Intercâmbio aos estabelecimentos comerciais, com o aumento do valor do MDR, aumento, em razão disso, o preço de bens e serviços.
Portanto, o principal objetivo do Banco Central é reduzir o valor do MDR cobrado aos estabelecimentos comerciais para que estes possam, em razão disso, reduzir o valor cobrado dos bens e serviços que comercializam.
Quando da Circular BCB nº 3.887/18 foi publicada pelo Banco Central do Brasil, instituindo o teto da Tarifa de Intercâmbio para os cartões de débito, o Banco Central do Brasil afirma ter sido possível observar o repasse da redução do MDR pelos credenciadores aos estabelecimentos comerciais, cumprindo com o objetivo principal da Circular.
Também, durante o período da edição da Circular BCB nº 3.887/18e deste ano, foi possível evidenciar que a Tarifa de Intercâmbio de cartões pré-pagos se manteve estável em patamar de cobrança significativamente maior em comparação aos arranjos de pagamento de cartões pós-pago e de depósitos.
- Aplicabilidade do Teto da Tarifa de Intercâmbio para todas as transações de pagamento
A Circular BCB nº 3.887/18 indicava que as transações realizadas através de cartões corporativos e as não presenciais não eram submetidas ao teto máximo da Tarifa de Intercâmbio dos cartões de débito.
A partir da vigência da Resolução BCB nº 246/22, não há qualquer limitação para a incidência do teto da Tarifa de Intercâmbio, seja para cartões de débito ou pré-pagos, devendo ser aplicada em qualquer tipo de transação de pagamento.
- Prazo de Liquidação das Operações Realizadas em Arranjos Pré-Pagos
Outra novidade trazida pela Resolução BCB nº 246/22 se refere à vedação dos arranjos de pagamento de estabelecerem prazos máximos diferentes de disponibilização de recursos para livre movimentação pelo estabelecimento comercial para transações realizadas através de cartões de débito e de cartões pré-pagos.
A justificativa do Banco Central para esta alteração é a indicação de que foi verificado que as instituições de pagamento emissoras de moeda eletrônica, ou seja, de contas de pagamento pré-paga, estavam utilizando as trilhas de liquidação de crédito dos arranjos de pagamento, o que fazia que a liquidação de grande parte dessas transações ocorresse em prazo de até 32 dias, enquanto a liquidação dos cartões de débito ocorria em prazos de um a dois dias.
O Banco Central indicou que esta diferenciação de prazo desfavorece o estabelecimento comercial, assim como, dificulta e aumenta os custos do processo de gerenciamento de riscos dos arranjos de pagamento pré-pagos, trazendo ineficiência ao sistema.
Vale ressaltar que não houve a determinação ou exigência de prazo específico para a liquidação das transações, apenas a vedação de que o prazo de liquidação das transações realizadas através dos cartões pré-pagos seja diversa das transações realizadas através dos cartões de débito.
- Dispensa da Obrigatoriedade de Consulta aos Participantes do Arranjo de Pagamento das Alterações de Regulamento do Arranjo quanto às adequações que determina a Resolução BCB nº 246/22
A Resolução BCB nº 150/21, que regula os arranjos de pagamento e seus instituidores, determinava, em seus artigos 20 e 28, que os instituidores de arranjo de pagamento deveriam submeter à autorização do Banco Central a alteração do Regulamento do Arranjo, assim como, deveriam consultar os participantes do arranjo de pagamento – incluem-se aqui as instituições de pagamento emissoras de moeda eletrônica e credenciadoras – quanto às alterações no Regulamento do Arranjo em período de 21 dias prévio à submissão ao Banco Central.
Tal consulta permitia a manifestação pelos participantes sobre o conteúdo do Regulamento do Arranjo e discussão com o instituidor do arranjo sobre os termos ali dispostos.
A Resolução BCB nº 246/22 dispensou a solicitação de autorização ao Bacen, pelos instituidores de arranjo de pagamento, para a alteração do Regulamento do Arranjo que vise, exclusivamente, se adequar às disposições da referida resolução, assim como de submeter a proposta de alteração do Regulamento do Arranjo aos participantes do arranjo de pagamento.
Portanto, os instituidores do arranjo de pagamento ficam desobrigados, a partir de novembro deste, quanto a consultar os participantes sobre as alterações no Regulamento do Arranjo que vise cumprir com as obrigações da Resolução BCB nº 246/22, no que concerne ao teto das tarifas de intercâmbio e prazo de liquidação das transações, conforme indicado nos tópicos anteriores.
Conclusão
A Resolução BCB nº 246/22 entra em vigor a partir de 1º de abril de 2023. Enquanto a dispensa relacionada à obrigatoriedade de consulta aos participantes pelos instituidores de arranjo sobre as alterações no regulamento do arranjo para cumprir com as novas determinações da referida resolução, entra em vigor antecipadamente, em novembro de 2022.
A partir desta nova norma regulatória, considerando que a Tarifa de Intercâmbio era o foco de remuneração da maioria das instituições de pagamento emissoras de moeda eletrônica, será necessário avaliar novos focos de remuneração que permitam a sobrevivência de tais instituições, possibilitando a manutenção do seu diferencial competitivo em comparação às instituições financeira
Será necessário acompanhar o mercado para avaliarmos as inovações que surgirão desta determinação regulatória, assim como, se os impactos econômicos esperados pelo Banco Central do Brasil serão evidenciados.
*Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados, Chaves Barcellos é sócio e Mallet é integrante do time do escritório.