Por Leonardo Schmitz e Layon Lopes*
Não pairam dúvidas sobre o fato de que momentos de calamidade requerem medidas emergenciais e contundente. No entanto, a Medida Provisória (MP) 954, editada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 17 de abril, causou grande repercussão. A referida MP dispõe sobre o compartilhamento de dados por empresas de telecomunicações com o Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em razão dos eventos decorrentes do novo coronavírus (covid-19). Apesar da possível utilidade no uso destas informações, questiona-se o respeito e inviolabilidade à privacidade dos indivíduos sendo abalados.
O compartilhamento de dados, sobre o qual é tratado na MP 954, é aplicável somente durante a situação de emergência de saúde causada pela covid-19. Desse modo, dispõe que serão disponibilizadas informações como: nome, número de telefone e endereços dos clientes das empresas de telecomunicação para com o IBGE. Para tanto, os dados devem ser compartilhados respeitando o sigilo das informações, por isso, só podem ser tratados para produção de estatísticas e auxílio em entrevistas a serem realizadas pela fundação.
Em decorrência do teor do texto alguns partidos políticos e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acionaram o Superior Tribunal Federal (STF), através de ações diretas de inconstitucionalidade, com a finalidade de suspender os dispositivos da MP. Isto porque o direito à privacidade dos cidadãos estaria sendo violado através desse compartilhamento de dados.
Neste sentido, é importante mencionar que para boa parte dos especialistas a autorização/consentimento do titular para a coleta e compartilhamento dos seus dados se apresenta como um mecanismo fundamental para garantir o direito à privacidade dos cidadãos. Além disso, o direito à privacidade está salvaguardado no inciso X, art. 5º da nossa Constituição Federal: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Tendo como uníssono o entendimento de que as novas tecnologias, associadas a ferramentas de tratamento de dados, detém grande capacidade de interferência nas vidas dos indivíduos, é trazido para o debate a necessidade de os cidadãos terem a capacidade de autodeterminarem o que será feito com os seus dados pessoais.
Feitas tais considerações, demonstra-se compreensível a discussão sobre a constitucionalidade da Medida Provisória 954 decorrente do coronavírus. Por mais significativas que sejam as iniciativas para controlar os efeitos da pandemia, a flexibilização de direitos fundamentais, como o direito à privacidade, sempre requererá uma atenção redobrada.
Segundo o jornal americano The New York Times, a China vem utilizando diversas ferramentas para realizar o controle social da sua população e mitigar os riscos apresentados pelo coronavírus. Tais ferramentas, indubitavelmente, em razão da capacidade de monitoramento dos indivíduos podem ser bastante eficazes, a pergunta que resta é: a qual preço?
Por outro lado, países europeus, onde as práticas de respeito à privacidade são muito cultivadas, tentam desenvolver tecnologia de rastreamento que não implicam na identificação dos usuários. Ou seja, uma alternativa para aliar tecnologia e o direito à privacidade.
A verdade é que a utilização de dados pessoais dos cidadãos sempre será tentadora para os governos e, frequentemente, pode haver bastante razoabilidade nos fundamentos apresentados para justificar tal medida. Contudo, os riscos de normalização de estruturas de vigilância se elevam e, uma vez instituídas, torna-se muito mais difícil de desarticulá-las.
Frente a tal cenário, evidentemente, que a MP 954 não estaria fora deste debate, tendo em vista os diferentes fundamentos, seja para sua manutenção e vigência quanto para sua suspensão.
Não há dúvidas que a discussão é complexa e que o direito fundamental à privacidade deve ser respeitado. Isto posto, na hipótese de o STF entender que a Medida Provisória é constitucional, é indispensável que se observe a finalidade do uso das informações e o seu prazo, bem como implementar as técnicas de segurança adequadas.
Por fim, é preciso entender que a gravidade dos eventos causados pela covid-19, certamente, não pode ser minimizada. Todavia, direitos fundamentais também devem ser tratados com zelo e qualquer indício de flexibilização dessas garantias precisam ser alvo de muita atenção.
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*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Schmitz é integrante do time do escritório.