Por Paola Martins, Gustavo Chaves Barcellos e Layon Lopes*
Dentro do arco de vida, crescimento e desenvolvimento de uma empresa, alguns marcos são essenciais, na qualidade de verdadeiros divisores de água. Dentre estes momentos, podemos citar: o surgimento da ideia/concepção do negócio; a união de esforços entre pessoas para os fins de desenvolver o negócio (escolha de sócios), e alocação de recursos ou levantamento de captação dos valores necessários.
Estes marcos acabam por se tornar ainda mais relevantes no que diz respeito ao desenvolvimento de atividades empresariais no mercado de tecnologia, uma vez que é possível se traçar um paralelo entre o nível de inovação proposta pela ideia do negócio e a elevação do grau de importância e significância da escolha dos sócios e da forma como se levantarão os recursos necessários para o desenvolvimento da atividade.
Conteúdo:
O que é contrato de investimento? Como aplicá-lo?
Mútuo conversível pode ser uma espécie de contrato de investimento?
O que é legalmente permitido em um contrato de investimento no Brasil?
Relação do contrato de investimento com o acordo de acionistas
Em específico, no que diz respeito à parte de levantamento de recursos, como novas ideias no segmento de tecnologia comumente são originárias de empreendedores que ainda não contam com expertise aprofundada em fazer negócios ou mesmo aprofundado lastro de capital financeiro para dispor, é recorrente que empresas embrionárias, no estágio chamado early stage (inicial) da vida da empresa, até o seu pleno desenvolvimento e/ou escala (scale-up), busquem recursos externamente, através de captação de investimentos.
Desta forma, tendo-se em conta o destaque dos marcos de escolha, a composição de relação entre sócios e a forma de levantamento de recursos, após a concepção da ideia do negócio, pode-se dizer que dois dos mais fundamentais instrumentos jurídicos para estruturar estas questões, para além do próprio contrato social da empresa, são o contrato de investimentos e o acordo de acionistas.
Além disso, deve-se ter em conta que, uma vez iniciado o arco de busca de capital em fonte externa (investidor), a sociedade e seus sócios fundadores passam a contar com relação específica e muitas vezes societárias com agentes externos, na qualidade de investidores.
Se a composição e regramento da relação interna entre sócios já é apontada, a toda evidência, como um dos elementos mais essenciais ao sucesso do desenvolvimento da atividade empresária, um evidente consequente lógico é assumir que a relação entre sócios, sociedade investida e investidor deve ser tanto ou ainda mais discutida e bem contratada entre todas as partes relacionadas, visando assegurar a todos os envolvidos a observância e o cumprimento de princípios como acesso a informações, cooperação e segurança.
Sobre este tema, é importante se analisar minuciosamente:
O que é contrato de investimento? Como aplicá-lo?
Inicialmente, cabe destacar que a relação de investimento se configura como aquela relação na qual alguma pessoa, seja ela física ou jurídica, detentora de capital financeiro suficiente, disponibiliza, em favor de atividade empresária, determinado montante pré-estabelecido, visando beneficiar-se, futuramente, de tal alocação.
Em outras palavras, investidor é aquele que entrega capital à empresa investida, visando futuramente obter vantagem financeira. A busca por investidores e a celebração de contratos de investimento é muito recorrente em diversas áreas e segmentos empresariais, em especial, se destaca o mercado de tecnologia – em razão do seu dinamismo e da constante necessidade de injeção de capital para alavancar modelos de negócios disruptivos e inovadores.
Mútuo conversível pode ser uma espécie de contrato de investimento?
Vale ressaltar, ainda, que no direito brasileiro, especificamente, em matéria contratual, vigora o princípio da atipicidade contratual. Isto significa dizer que, ainda que o código civil estabeleça expressamente normas para tipos específicos de contratos (tais como o contrato de compra e venda e o contrato de prestação de serviços, sendo estes chamados de “contratos nominados”). A lei admite e recepciona toda e qualquer espécie contratual, ainda que não expressamente prevista, desde que se observe os elementos e requisitos relativos à formação dos contratos, sendo estes tipos contratuais chamados de contratos inominados.
Dentre as principais espécies de contratos de investimento, estão alguns contratos inominados, ou seja, que não possuem previsão específica no código civil. Este fato gera muita dúvida entre os empreendedores.
O que é legalmente permitido em um contrato de investimento no Brasil?
Deve-se ter em conta que esta ausência de normativas específicas, em especial à principal espécie de contrato de investimento, qual seja o mútuo conversível em participação societária, acaba por criar uma abertura normativa muitas vezes preenchida por regras oriundas de costumes e comportamentos de praxes do mercado.
Sendo este talvez o mais amplamente utilizado contrato de investimento, o mútuo conversível em participação societária consiste no ajuste contratual por meio do qual o investidor (mutuante) empresta um valor à sociedade empresária, recebendo, em contrapartida, ao invés da devolução em dinheiro do mútuo, a possibilidade de receber o pagamento deste mútuo pela investida (mutuária) através da aquisição de participação societária de emissão da própria investida.
Diante deste arranjo, comumente, o investidor vincula o valor investido a usos determinados para o fomento da atividade empresarial, além de se prever um prazo específico para que receba a participação societária, chamada de evento de conversão, no qual se converte o crédito oriundo do mútuo realizado em participação societária (ações ou quotas, a depender da natureza societária da sociedade investida).
Como principais cláusulas constantes em um contrato de investimento por mútuo conversível em participação societária, destacam-se:
- Valor investido;
- Percentual de referência de participação societária em relação ao valor investido;
- Procedimento de conversão;
- Disposições sobre acordo de acionistas.
Tendo em conta que, no âmbito do contrato de mútuo conversível, fica evidente a criação de uma espécie de relação societária entre sócios da sociedade investida e o investidor, bem como existindo interesses do próprio investidor em fiscalizar e participar do desenvolvimento da atividade empresária para fins de assegurar o sucesso da mesma, o acordo de acionistas se torna um relevante instrumento no que diz respeito à relação de investimento.
Relação do contrato de investimento com o acordo de acionistas
Como visto, tendo em vista a natureza do mútuo conversível em participação societária como contrato de investimento, gera-se um vínculo estreito entre sociedade, sócios e investidor, o qual precisa ser idealmente negociado e regulado em instrumento próprio, não bastando, muitas vezes, aos interesses do investidor, principalmente no que diz respeito à ingerência e voz na condução dos negócios desenvolvido no seio da empresa, apenas o contrato de investimento.
Por esta razão, muitos contratos de investimento acabam disciplinando, em maior ou menor grau, direitos econômicos e políticos aos quais o investidor fará jus a partir do momento em que adquirir a efetiva participação societária na sociedade investida. Desta forma, o acordo de acionistas se mostra como o melhor instrumento para dispor sobre tais questões.
De acordo com este tópico, é possível classificar o mútuo conversível em participação societária, como contrato de investimento, de acordo com a relação que exercita com o acordo de acionistas, podendo ser, assim, um mútuo conversível dito “cheio”, “parcialmente cheio” ou “vazio”.
Mútuo conversível cheio: O próprio contrato de investimento já prevê todas as disposições do acordo de acionistas que regerá a relação societária entre sócios da investida e investidor, no momento após a conversão do crédito oriundo do mútuo em participação societária. Neste formato, comumente o investidor, no momento do investimento, realiza diante da sociedade investida e de seus sócios a propositura de uma minuta de acordo de acionistas, a qual disporá, dentre outras questões, sobre (a) quóruns de deliberação em assembleia e votos afirmativos/poder de veto; (b) existência e composição de conselho de administração; (c) direitos atreladas a cada espécie de ação, incluindo os privilégios relacionados às ações preferenciais que, no geral, são o tipo de ações que tocam aos investidores; além de outros direitos e deveres de natureza societário-econômico e societário-político. Neste cenário, não haverá margem de liberalidade para que conste no futuro de acordo de acionistas disposições outras que não as já acatadas junto ao contrato de investimento.
Mútuo conversível parcialmente cheio: o contrato de investimento limita-se a apresentar disposições mínimas do acordo de acionista. Neste formato, o investidor não apresenta minuta completa de um acordo de acionistas, mas faz constar no contrato de investimento todos os direitos e deveres de natureza societário-econômico e societário-político com os quais deseja se salvaguardar uma vez convertido seu crédito em participação societária, e inaugurada verdadeira relação societária. Neste cenário, há certa margem de liberalidade para negociação e estruturação de futuro acordo de acionistas disposições, desde que o documento final de acordo de acionistas não represente descumprimento das disposições constantes no contrato de investimento.
Mútuo conversível vazio: não há disposições específicas sobre a composição e teor do acordo de acionistas, o qual restará, portanto, a ser integralmente negociado em momento futuro. Neste cenário, há uma ampla margem de liberalidade para negociação e estruturação de futuro acordo de acionistas disposições
Diante todo o exposto, vê-se, portanto, que, uma vez diante de uma negociação de investimento, investidor, sociedade investida e sócios fundadores acabam, invariavelmente, precisando abordar as matérias relativas ao futuro acordo de acionistas. Pois, a potencialidade de existência de uma futura relação societária em razão do mútuo conversível em participação societária como instrumento de investimento, faz com que a disciplina e regulamentação da relação entre as partes relacionadas seja essencial para o sucesso do desenvolvimento do negócio.