Paola Martins e Layon Lopes*
O Marco Legal das Startups, estabeleceu diversas modificações em textos de lei anteriores, inclusive na Lei das Sociedades Anônimas (“LSA”), buscando estimular o empreendedorismo inovador no país, e um dos assuntos mais comentados é se essa legislação permite ou não a distribuição desproporcional de lucros em Sociedade Anônima (SA). Uma das “novidades legais” trazidas por este marco normativo teria sido a possibilidade distribuição desproporcional de lucros em Sociedades Anônimas.
E os departamentos jurídicos internos mais atentos às novidades legislativas, passaram a estudar e questionar o tema, buscando entender a aplicabilidade desta suposta novidade às companhias que assessoram. Sobre este assunto, é importante perceber que a distribuição desproporcional de lucros consiste na possibilidade de os dividendos serem distribuídos entre os sócios em proporção diferente daquela correspondente à efetiva participação societária que possuam no capital social da empresa.
Ou seja, autorizada a distribuição desproporcional de lucros, o sócio detentor de apenas 1% do capital social da empresa poderia, caso autorizado através do contrato social e se assim deliberassem os demais sócios, receber 50% dos lucros apurados no período. Este é, tradicionalmente, mecanismo aplicável no âmbito das Sociedade Limitadas, e expressamente autorizado pelo Código Civil, em seu art. 1.007, mas não autorizado para Sociedades Anônimas.
Entretanto, a partir da promulgação e vigência do Marco Legal das Startups, iniciou-se uma onda interpretativa que argumenta no sentido de que as mudanças legislativas introduzidas por esta normativa passariam a autorizar a distribuição desproporcional de lucros também em Sociedades Anônimas.
A interpretação inicial feita pela prática de mercado referente à possibilidade de distribuição desproporcional de dividendos veio a partir da análise da alteração realizada no §4º do art. 294, da Lei das S/A, que diz:
“§ 4º Na hipótese de omissão do estatuto quanto à distribuição de dividendos, estes serão estabelecidos livremente pela assembleia geral, hipótese em que não se aplicará o disposto no art. 202 desta Lei, desde que não seja prejudicado o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade.”
Antes de analisar mais profundamente, cabe trazer o texto do artigo 202 da Lei das S/A:
Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas: ….
Através da leitura em conjunto dos dispositivos é possível perceber que a mudança introduzida pelo marco legal das startups prevendo que os dividendos podem ser distribuídos “livremente” não diz, necessariamente, respeito a uma distribuição desproporcional.
Na realidade, refere-se à alternativa do estipulado no art. 202 da Lei das S/A, relacionado à forma de distribuição dos dividendos mínimos obrigatórios, que poderá ser definida livremente quando houver omissão no estatuto sobre este ponto.
Deve-se atentar que a participação nos lucros sociais é um dos direitos essenciais do acionista, conforme art. 109, I da LSA. Esta participação nos lucros, para fins de distribuição de dividendos, conforme entendimento até então pacífico na doutrina e na jurisprudência, deve ser proporcional à participação do acionista no capital social.
É importante notar que a própria LSA estabelece, em seu art. 201, §1º, que a distribuição de dividendos com inobservância ao disposto na lei pode implicar responsabilidade solidária dos administradores.
Ainda, os acionistas controladores têm deveres com os demais acionistas, e caso estes se sintam lesados pela promoção de distribuição desproporcional de lucros, podem vir a buscar a responsabilização de quem exerceu o poder de controle em detrimento dos demais, na forma do art. 116, parágrafo único, da LSA.
Além disso, caso esta distribuição desproporcional de lucros tenha por objetivo a remuneração de acionistas administradores da companhia, como é prática comum em sociedades limitadas, destaca-se que, a depender do formato estabelecido, há risco de configuração de evasão fiscal e previdenciária, uma vez que é devida a remuneração através de pró-labore.
Esta interpretação também confirma a principal diferença entre Sociedade Limitada e Sociedade Anônima, já que a Sociedade Limitada se trata de uma típica sociedade de pessoas, onde há maior affectio societatis¸e as pessoas integrantes da sociedade ditam as tomadas de decisões.
Já Sociedade Anônima é uma sociedade de capital, onde as tomadas de decisões são ditadas de acordo com o capital aportado por cada acionista e o principal objetivo da sociedade é a capitalização dos valores aportados, sendo assim, necessário proteger melhor os retornos financeiros da sociedade, como a distribuição proporcional dos lucros de acordo com o capital aportado na Sociedade Anônima.
Assim, é essencial que o jurídico interno da companhia esteja, sim, atento às novidades legislativas, como o Marco Legal das Startups. Entretanto, é essencial que toda a ação societária seja eivada de cautela, para fins de antes de aplicar tal distribuição desproporcional de lucros como possível, estudar a resposta do mercado e à incorporação da jurisprudência e doutrina quanto ao tema, sob tema de expor à companhia à responsabilização de seus acionistas e administradores.
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*Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados e Martins é integrante do time do escritório.
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