O coliving como inovação no cenário imobiliário e cuidados jurídicos O coliving como inovação no cenário imobiliário e cuidados jurídicos

O coliving como inovação no cenário imobiliário e cuidados jurídicos

Pesquisa em São Paulo mostra que 50% admite morar em imóvel compartilhado

Por Lucas Euzébio e Layon Lopes* 

O setor imobiliário é conhecido por ser um mercado tradicional onde a inovação ainda está se aproximando de forma tímida. Há poucos anos, não podemos esquecer que o Airbnb foi um dos precursores em disruptar este mercado e, agora, parece que uma nova onda de inovação já está se aproximando e se chama Colivings.

Os Colivings estão deixando de ser apenas uma tendência no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, uma pesquisa do  Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE), entrevistou mais de 800 pessoas. O Estudo revelou que 55% admite a possibilidade de morar em um imóvel compartilhado, mas com espaços de convívio confortáveis e planejados, e 33% dos entrevistados já aceitam a ideia de uma casa compartilhada.

Antes de evoluirmos nos pontos jurídicos, é interessante entendermos de onde surgiu a palavra coliving.

Conforme sustentado por Eduardo Souza[1], no site “Arch Daily o site de arquitetura mais visitado no mundo” o autor indica que:

O conceito surgiu na Dinamarca nos anos 70 – originalmente com o nome do cohousing. No projeto Sættedammen, viviam 35 famílias que mantinham moradias privadas e compartilhavam espaços de convivência e atividades, como refeições e limpeza de ambientes, grupos de interesse, festas e eventos. Hoje o co-living abrange uma infinidade de possibilidades, que vão desde pessoas que simplesmente vivem juntas – compartilhando apenas o espaço físico -, até comunidades que compartilham também valores, interesses e filosofia de vida.

Segundo a socióloga Luciana Pavowski[2], em seu livro “Investigação Científica Nas Ciências Sociais Aplicadas”, especificamente no capítulo 10, onde a autora trata sobre “Coliving: Ensaio sobre moradia compartilhada e colaborativa”, a autora explica o conceito de Coliving adotado mundialmente pelo site coliving.org, que apresenta em sua página de abertura a definição de “coliving” como:

  1. Modo de morar compartilhado e pensado para uma vida baseada em um propósito.

      2.Um estilo de vida moderno e urbano que valoriza abertura, compartilhamento e colaboração. (Tradução livre)

Elucidado este conceito pelos autores, podemos concluir que um “coliving” é, em sua essência, um grupo de pessoas que formam uma comunidade de forma intencional a fim de fornecer moradia compartilhada.

Adentrando aos cuidados jurídicos, o primeiro ponto que precisamos atentar é a diferença entre Posse X Propriedade, tendo em vista que, na maioria dos casos, o morador de um coliving “locatário” está alugando do proprietário “locador”, muitas vezes um quarto ou um espaço pequeno, onde terá sua privacidade e também o uso compartilhado de alguns ambientes, como cozinha, sala e ambiente de convivência, por exemplo.

No que toca o quarto e/ou ambiente privado do locatário, ele exercerá o seu direito de posse sobre este imóvel e não propriedade.

A posse nada mais é do que o aspecto fático sendo exercido, o aspecto fático nada mais é do que estar ocupando o imóvel, agir com poderes como se proprietário fosse, porém, sem os direitos reais sobre a coisa (propriedade). Ou seja, a posse é uma conduta de dono sobre a coisa. Isso significa dizer que aquele que é proprietário é também possuidor, mas nem todo possuidor é também o proprietário.

Já a Propriedade se qualifica como um direito real, sendo a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa (propriedade) e o direito de reavê-lo do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, conforme o art. 1.228, do Código Civil Brasileiro.

Logo, estamos tratando da Posse. Dentro de Posse, precisamos ter os cuidados com seus efeitos.

Conforme o art. 1.209 do Código Civil Brasileiro, até a prova em contrário, todas as coisas móveis (objetos) que estão no imóvel locado – no caso, os quartos, são também de posse do locatário.

Em outras palavras, tudo que está no quarto que o locatário aluga também está em sua posse e sofrerá os efeitos da Posse. Por isso a importância de constar no contrato de locação uma descrição detalhada de todos os objetos móveis que estão dentro do quarto que será alugado, a fim de criar previamente esta prova.

Outros pontos relevantes que merecem atenção: A Lei de locações veda expressamente a exigência de, por motivo de locação ou sublocação, exigir a) quantia ou valor além do aluguel e encargos permitidos, bem como b) cobrar mais de 1 (uma) modalidade de garantia em um mesmo contrato de locação, c) cobrar antecipadamente o aluguel, salvo a hipótese de ausência de garantias, onde se poderá exigir o pagamento do aluguel e encargos até o sexto dia útil do mês vincendo, conforme o art. 42 e 43 da Lei de Locações.

Importante: no que toca a letra “b” sobre cobrar outro tipo de modalidade de garantia, a Lei de Locações (Lei nº 8.245/1991), em seu artigo 37, dispõe das modalidades de garantia existentes e válidas.

Ainda,  no que toca a fiança, modalidade de garantia conforme o art. 37, inciso II, da Lei de Locações, caso essa modalidade seja escolhida, em caso de renovação da locação, o fiador deverá anuir este termo aditivo, sob pena de não garantir mais o contrato na parte que não anuiu expressamente, conforme previsão Legal bem consolidada:

Súmula nº 214 do STJ (Superior Tribunal de Justiça): 214 – O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.

Em Caso de renovação do contrato, o FIADOR deve anuir (assinar), caso contrário, o contrato não possuí mais a garantia.

Outro fator importante é a disposição acerca do prazo do contrato de locação residencial. Normalmente os contratos possuem prazos pequenos, o que deve ser observado sob a ótica de sua renovação por prazo indeterminado. Em contratos com prazo de locação inferior a 30 (trinta) meses, teremos que observar o art. 47 da Lei de Locações.

Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga – se automaticamente, por prazo indeterminado.

Após decorrido o prazo inicialmente estipulado, passando a locação para o prazo indeterminado, podendo o locador reaver o imóvel nas seguintes hipóteses:

  1. Art. 9º: a) Mútuo acordo; b) Infração legal ou contratual; c) Falta de pagamento; d) Reparações urgentes. (art. 47, I).
  2. Extinção do contrato de trabalho. Ex. Zelador, pode, desde que o prazo do contrato de locação esteja vinculado ao contrato de trabalho (art. 47, II).
  3. Casos de Uso. Uso próprio; uso cônjuge/companheiro (a); uso ascendente/descendente. (art. 47, III).
  4. Demolição para o aumento de área em 20% ou mais. Ex: edificação, ou transformação em hotel, pensão. (art. 47, IV).
  5. Se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos. (art. 47, V).

Isso significa que, se o contrato de locação for feito por prazo inferior a trinta meses, como por exemplo 12 (doze) meses ou 06 (seis) meses, terminado este prazo e o inquilino permanecer no imóvel, o contrato de locação passará a vigorar por prazo INDETERMINADO, independentemente do contrato originário dispor uma cláusula de possibilidade de renovação “automática”, ou, ainda, queira renovar este vínculo por mais 6 (seis) meses, pois, nos casos de locação inferiores a 30 (trinta) meses, após transcorrido o prazo do primeiro contrato, o mesmo passa a correr por prazo indeterminado, por força de Lei.

Esse raciocínio fica muito claro quando se percebe que o art. 46 da Lei de Locações dispõe APENAS das locações com prazo superior a 30 (trinta) meses, enquanto o art. 47 da Lei de Locações dispõe sobre as locações com prazo inferior a 30 (trinta) meses, não sendo possível utilizar as disposições do art. 46 da Lei de locações em contratos inferiores a 30 (trinta) meses.

E caso ocorra algum problema e a locação se renove por prazo indeterminado?

Caso a saída não ocorra, o contrato passa a vigorar por prazo indeterminado, neste caso, o locador/proprietário somente poderá retomar o imóvel através da chamada “Ação de Despejo por Denúncia Cheia ou Motivada, ou ainda, uma Ação de Despejo por Denúncia Vazia.”

Em outras palavras o proprietário não poderá “expulsar” o inquilino, mas sim, notificar que o mesmo deve sair. Caso não ocorra a saída amigavelmente por mútuo acordo, deve-se entrar com uma ação de despejo com uma das hipóteses taxadas na lei:

(i) mútuo acordo,

(ii) infração legal ou contratual;

(iii) falta de pagamento;

(iv) reparações urgentes,

(v) extinção do contrato de trabalho do locatário quando a locação se deu por este motivo;

(vi) casos de uso próprio do imóvel: uso cônjuge companheiro (a), ascendente/descendente desde que não tenha outro imóvel próprio, qualquer que seja o estado civil deles,

(vii) demolição para aumento da área ou

(viii) se o contrato passar de 05 anos.

Por fim, o modelo de coliving onde se exerce a locação direta ou a sublocação é o mais utilizado, existindo, ainda, modelos jurídicos onde há uma empresa que funciona como plataforma de promoção e administração de locações para proprietários com interesse em locá-los para fins residenciais, seja por períodos longos ou por temporada para terceiros interessados, ou seja, uma espécie de marketplace de moradia compartilhada.

Os colivings vieram para ficar, já existindo este tipo de moradia em diversos estados do Brasil, sendo uma alternativa muito atrativa para quem busca o engajamento com outras pessoas e, principalmente, economia na hora de dividir as contas e não precisar investir em móveis.

Dúvidas?  A equipe do Silva | Lopes Advogados pode te ajudar!

*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Euzébio é integrante do time do escritório.          

[1]  Disponível em https://www.archdaily.com.br/br/914917/o-que-significa-co-living acessado em 22 de abril de 2020.  

[2] PAVOWSKI, Luciana. Investigação científica nas ciências sociais aplicadas. Atena Editora. 2019. Disponível em: https://www.finersistemas.com/atenaeditora/index.php/admin/api/artigoPDF/22977 acessado em 18 de abril 2020