Por Daniela Froener e Layon Lopes*
Há muito tempo, em uma galáxia muito distante, em uma batalha de startups, um investidor afirmou que: “Nunca investirei em criptomoedas, não há segurança jurídica!”. Mais adiante, o mesmo investidor, teceu severas críticas às autarquias reguladoras brasileiras, concluindo que “A CVM foi a pior coisa que aconteceu ao Brasil!”.
É claro que a atividade regulatória tem o intuito de dar segurança jurídica às operações que regula. Em sendo assim, dizer que as operações efetuadas com criptomoedas não detém segurança jurídica e finalizar que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é desnecessária, por óbvio, é uma contradição em tanto. Sem a atividade regulatória da CVM, às operações que a ela cumpre regular acabam não detendo, então, a segurança jurídica tão almejada pelo investidor. Porém, como regular o mercado sem sufocar a inovação e dando espaço aos novos players?
Deixando um pouco de lado o exemplo ligado à CVM, e voltando os olhos ao Banco Central do Brasil (Bacen)… O que vemos são movimentos excepcionais que regulam, mas não sufocam, as inovações tecnológicas do setor. Garantindo, desta forma, espaço aos novos players no mercado regulado.
O primeiro indício desta atitude que até então vem sendo adotada pelo Bacen, veio com o marco número um: a edição da Lei nº 12.865, de 09 de outubro de 2013. A edição da referida Lei, por óbvio, não se deu pelo Bacen, mas fora resultado de sua influência. Seguindo, a mencionada Lei definiu, dentre outras matérias, o que são “arranjo de pagamento” e “instituição de pagamento” e determinou os princípios que deverão ser seguidos por estes. Entre eles: a interoperabilidade ao arranjo de pagamento, arranjos de pagamento distintos, o acesso não discriminatório aos serviços e às infraestruturas necessárias ao funcionamento dos arranjos de pagamento. Ainda, a citada Lei inseriu no Sistema Pagamento Brasileiro (SPB) os arranjos de pagamentos e as instituições de pagamento, determinando que ambos estivessem sob a guarda Bacen.
Na rasteira da Lei, temos o segundo marco: a Resolução nº 4.282, de 04 de novembro do mesmo ano. Esta Resolução, emitida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), estabeleceu as diretrizes que devem ser observadas na vigilância e na supervisão das instituições de pagamento e dos arranjos de pagamento integrantes do SPB.
Como terceiro e quarto marcos temos: a Circular nº 3.682, 04 de novembro de 2013, do Bacen, que disciplinou os arranjos de pagamentos; e, a Circular nº 3.683, 04 de novembro de 2013, do Bacen, que disciplinou as instituições de pagamento (esta última revogada pela Circular nº 3.885 de 2018). Reparem que todas estas normas foram editadas e publicadas em menos de um mês.
Tanto a Circular nº 3.682, 04 de novembro de 2013, como a Circular nº 3.683, 04 de novembro de 2013, trouxeram severas regras de compliance aos arranjos de pagamentos e as instituições de pagamento e, ainda, opuseram processo autorizatório pesado e caro. Porém, com base em alguns critérios, dentre eles a volumetria de valores movimentados, o Bacen previu a dispensa de autorização aos arranjos de pagamentos e às instituições de pagamento do processo autorizatório. Ou seja, as startups que ofereçam serviços de arranjos de pagamentos e/ou instituições de pagamentos, que transacionem valores inferiores aqueles previstos nas normas do Bacen, poderão operar sem a necessidade de se submeterem ao processo autorizatório.
Ainda, a volumetria escolhida pelo Bacen é branda, de forma que, quando um arranjo de pagamento ou uma instituição de pagamento ultrapassar os valores apontados na norma, de certo, já terão estrutura e capacidade financeira necessária para suportar o processo autorizatório. Enquadram-se neste item: instituições de pagamento com R$ 500.000.000,00 em transações de pagamento ou R$ 50.000.000,00 em recursos mantidos em conta de pagamento pré-paga, nos últimos 12 meses; e, para arranjos de pagamentos, o valor total das transações de R$500.000.000,00 e R$ 25.000.000 em transações, acumuladas nos últimos 12 meses.
Assim, a edição de normas pelo Bacen sobre a matéria fez que este cumprisse com a sua missão regulatória, sendo que, ao adotar limites para a realização de processo autorizatório, também garantiu aos novos players acesso ao mercado.
Vale frisar que o próprio Bacen reconhece que, se não fosse assim, muitos players não sobreviveriam ao processo autorizatório. Situação que aniquilaria a inovação no setor, resultando na falência dos objetivos da Agenda BC+, que prevê mais cidadania financeira, legislação mais moderna, um Sistema Financeiro Nacional (SFN) mais eficiente e crédito mais barato ao cidadão.
O quinto marco regulatório surgiu com a Resolução nº 4.656, de 26 de abril de 2018, que dispôs sobre a Sociedade de Crédito Direto (SCD) e a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP). Ou seja, startups que oferecem plataforma eletrônica para crédito peer2peer terão o seu espaço no mercado.
Por mais que o Bacen proponha processo autorizatório às SCD e SEP, sem possibilidade de dispensa, o reconhecimento de plataformas que conectam pessoas com o intuito de ofertar e obter crédito – sem o intermédio de algum grande banco por detrás, como vemos com os correspondentes bancários -, e com a possibilidade de cobrança de juros, é uma opção totalmente diferente do que que havia até então aos cidadãos. A medida é também uma evidência clara do reconhecimento do Bacen à inovação.
Podemos concluir, então, que é possível sim existir mercado regulado e, ao mesmo tempo, aberto à inovação e a novos players. Agora, a questão da segurança jurídica de operações realizadas com criptomoedas fica para outro artigo.
Foto: Divulgação.
* Layon é CEO do Silva | Lopes Advogados e Froener é integrante da equipe do escritório.