Por Willian de Rosso e Layon Lopes*
Desenvolver um negócio, tecnológico ou não, revolucionário ou não, requer não apenas um empreendedor com gana e visão de mercado, mas também capital para colocar o produto ou serviço para rodar. Por isso, não é incomum que empreendedores se unam para criar um negócio em conjunto com fito de dividirem os custos iniciais do projeto. Entretanto, já é fato que o mercado permite outras formas de obter capital para desenvolver um negócio.
Além dos recursos dos próprios empreendedores, é possível contar com a ajuda de um terceiro interessado, o investidor. Dependendo do estágio do negócio, este investidor possui diferentes identidades, como: investidor-anjo, fundos de investimentos, equity crowdfunding, aceleradora, etc.
Neste artigo em específico, trataremos sobre o investidor-anjo. Este tipo de investidor é conhecido, principalmente, por ser o primeiro a aplicar dinheiro em uma sociedade (empresa), que, muitas vezes, ainda está em estágio inicial, com a ideia ainda sendo vendida em powerpoint.
Há diversos tipos de motores (contratos) de investimentos que podem ser utilizados para celebrar o negócio entre o investidor-anjo e a sociedade. O mais comum e praticado atualmente é o mútuo conversível, onde o investidor realiza o aporte de capital, com a possibilidade de utilização destes valores para integralizar em novas ações da sociedade investida, ou seja, possibilitando que o investidor se torne acionista da sociedade investida.
Ocorre que a legislação brasileira não apresentava disposições específicas sobre os investidores-anjos, de modo que foi sancionada em 2016 a Lei Complementar 155 (que entrou em vigor no início de 2017, alterando a Lei Complementar 123/2006), onde agora está previsto expressamente quem é a figura do investidor-anjo, e como se dará o relacionamento contratual entre ele e a sociedade investida.
Resumidamente, as principais informações sobre investidor-anjo são:
- A sociedade objeto do investimento a ser realizado deverá ser obrigatoriamente enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte;
- O investimento deverá ser formalizado através de contrato de participação;
- O contrato firmado entre investidor-anjo e sociedade não poderá ter prazo superior a 7 (sete) anos;
- O investidor-anjo poderá ser pessoa física ou jurídica;
- O investidor-anjo não terá direito a gerência ou voto na administração da empresa;
- O investidor-anjo não responderá por qualquer dúvida da empresa, não se aplicando as regras de desconsideração da personalidade jurídica da empresa para alcançar o investidor-anjo;
- O investidor-anjo será remunerado por seus aportes, pelo prazo máximo de 5 (cinco) anos;
- A remuneração percebida pelo investidor-anjo será correspondente aos resultados distribuídos da empresa, não podendo ser superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade;
- Os valores aportados pelo investidor-anjo não serão considerações receita da sociedade para fins de enquadramento da sociedade como microempresa ou empresa de pequeno porte, o que protegerá a sociedade caso o aporte recebido pelo investidor-anjo seja muito elevado;
- O investidor-anjo só poderá realizar o resgate dos valores aportados após decorridos, no mínimo, dois anos do aporte do capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação, sendo que os valores a serem recebidos pelo investidor não poderão ultrapassar o valor do aporte, devidamente corrigido;
- É possível a transferência de titularidade do contrato de participação pelo investidor-anjo, desde que consentido pelos sócios, salvo estipulação contratual expressa em contrário;
- Caso a empresa seja vendida, o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição das quotas da empresa; e,
- É garantido, por fim, o direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios da empresa (também conhecido como tag along, comumente trabalhando em sociedades anônimas).
Para exemplificar as considerações acima realizadas, podemos elaborar a seguinte linha do tempo:
Enquanto a sociedade recebe um aporte, sem preocupações quanto a perda de controle da empresa (dado a impossibilidade de o investidor-anjo possuir direito de gerência e voto na empresa), o investidor-anjo receberá remunerações ao longo do período de contrato e poderá possuir em um período determinado para receber o valor do aporte realizado. Esta quantia deverá estar devidamente corrigida, sem contar a proteção em caso de desconsideração da personalidade jurídica da empresa.
Então, por qual razão este contrato de investimento tão benéfico para as partes ainda é tão pouco utilizado no mercado?
Em primeira análise, para quem é de mercado, a resposta é bem simples: (i) o legislador acabou normatizando pontos negociais importantes para um investimento, sem nenhuma racionalidade negocial a não ser uma discricionariedade, não muito bem compreendida pelo mercado; (ii) o legislador trouxe uma norma que demonstra falta de conhecimento do próprio mercado de startups e tecnologia.
Desta forma, cabe destacar que o legislador ficou em dúvida, por falta de conhecimento de mercado, se este investimento deveria ser um investimento em equity ou um investimento financeiro. Vamos trazer, de forma sucinta, a diferença entre estes investimentos:
O investimento em equity é aquele onde o investidor não visa, primariamente, ter um simples retorno financeiro imediato ou proporcional ao seu investimento, mas sim quer adquirir ações da empresa para ter um retorno na valorização da própria startup e, desta forma, sua participação valorizar financeiramente. Ou seja, ele investe X reais para obter uma quantidade Y de ações, sem se preocupar, momentaneamente, se a startup está gerando caixa ou distribuindo lucros, sendo um tipicamente um investimento visando um longo prazo e obtendo um retorno financeiro com a valorização da própria empresa, onde seu exit (momento que o investidor vende sua participação) em um evento de liquidez o momento onde receberá o retorno financeiro pelos eu investimento.
Já o investimento financeiro é aquele onde o investidor visa primariamente um retorno financeiro proporcional ao seu capital investido, onde busca empresas geradoras de caixa e que já esteja distribuindo lucros constantes. Exemplo, ele investe X reais para obter uma participação de Y% na distribuição de lucros ou receita liquida da empresa.
Quando analisamos o “Investimento-Anjo” criado pela Lei Complementar 155, é possível perceber que o legislador se apropriou indevidamente de um termo já utilizado pelo ecossistema de startups, bem como, ficou em cima do muro e tentou agradar gregos e troianos. Desta forma, o legislador fez um mix de dispositivos típicos de investimento financeiro e investimento em equity, além normatizar pontos negociais importantes para um investimento, limitando a livre iniciativa negocial das partes envolvidas no investimento.
Podemos perceber que o legislador limita a livre iniciativa negocial das partes nos pontos a seguir:
- O investidor-anjo será remunerado por seus aportes, pelo prazo máximo de 5 (cinco) anos;
- Previsão Legal: O contrato firmado entre investidor-anjo e sociedade não poderá ter prazo superior a 7 (sete) anos;
- A remuneração percebida pelo investidor-anjo será correspondente aos resultados distribuídos da empresa, não podendo ser superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade;
- O investidor-anjo só poderá realizar o resgate dos valores aportados após decorridos, no mínimo, dois anos do aporte do capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação, sendo que os valores a serem recebidos pelo investidor não poderão ultrapassar o valor do aporte, devidamente corrigido;
Portanto, o legislador fixa prazos e percentuais que são tipicamente debatidos em um arco negocial de investimento, sem trazer uma racionalidade para tais prazos e percentuais. Fica sensação que o legislador se baseou em “achismo”.
Além disto, o legislador ao longo dos dispositivos faz uma verdadeira salada de fruta ao misturar pontos de investimentos financeiros a investimentos em equity:
- O contrato firmado entre investidor-anjo e sociedade não poderá ter prazo superior a 7 (sete) anos;
- O investidor-anjo não terá direito a gerência ou voto na administração da empresa;
- O investidor-anjo será remunerado por seus aportes, pelo prazo máximo de 5 (cinco) anos;
- A remuneração percebida pelo investidor-anjo será correspondente aos resultados distribuídos da empresa, não podendo ser superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade;
- O investidor-anjo só poderá realizar o resgate dos valores aportados após decorridos, no mínimo, dois anos do aporte do capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação, sendo que os valores a serem recebidos pelo investidor não poderão ultrapassar o valor do aporte, devidamente corrigido;
- É possível a transferência de titularidade do contrato de participação pelo investidor-anjo, desde que consentido pelos sócios, salvo estipulação contratual expressa em contrário;
- Caso a empresa seja vendida, o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição das quotas da empresa; e,
- É garantido, por fim, o direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios da empresa (também conhecido como tag along, comumente trabalhando em sociedades anônimas).
Fica claro que o legislador mistura dispositivos de métodos de investimentos diversos, onde estipula prazos e percentuais máximos para resgates, mas, ao mesmo tempo, estipula direito de preferência para aquisição de quotas e direito a tag along.
Neste ponto, é possível dizer que o legislador escancarou a sua falta de conhecimento do ecossistema de startups e do mercado de investimento, pois é possível perceber que a legislação se inclina mais para que o investidor seja remunerados financeiramente pelo seu investimento, onde, quem é de mercado, sabe que uma startup tem, inicialmente, o objetivo de validação de seu modelo de negócio e queima de caixa para gerar crescimento. Ou seja, distribuir lucros não está no horizonte breve de startups.
Bom, neste artigo não vamos nem comentar que o dispositivo do “contrato de investimento anjo” foi incluído na Lei Complementar 123/2006, conhecida como Lei do Simples Nacional. (?!?!)
Por fim, a “pá de cal” veio quando se taxou a remuneração percebida pelo investidor-anjo (que segue o contrato previsto na Lei Complementar 155/2016).
Até então, discutia-se como se daria a tributação em cima da remuneração percebida pelo investidor-anjo. Não existe nada expresso de que a remuneração do investidor-anjo é apuração de dividendos, o que não incidiria imposto de renda. Então, até que o Ministério da Fazenda regulamente esta disposição (responsável atribuído pela própria Lei Complementar 155/2016 – artigo 61-A, § 10º), será devido imposto de renda sobre a remuneração percebida pelo investidor-anjo.
Assim, o investidor-anjo será tributado não apenas pelo ganho de capital obtido após o resgate dos valores investidos (que, relembrando, não poderá ser superior ao valor do próprio aporte realizado, devidamente corrigido), mas também sobre cada uma das remunerações a que venha a perceber durante o período de contrato.
Desta forma, podemos concluir que, a principal razão pela não utilização do contrato de investimento-anjo é justamente por desinteresse dos próprios players do mercado, que não lhes é favorável os cenários acima expostos. Os agentes do ecossistema podem, também, utilizar um contrato muito mais vantajoso, em questão de retorno futuro do aporte realizado, conhecido como mútuo conversível.
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*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Rosso é integrante do time do escritório.