Por Gustavo Chaves Barcellos e Layon Lopes*
Em tempos onde todos os segmentos de mercado estão em franco desenvolvimento, existem limites legais para concorrência que decorrem de tal fenômeno? No caso do Brasil e dos Estados Unidos, por exemplo, a resposta é positiva e dá origem a um ramo do direito denominado Direito Concorrencial.
Na realidade, o Direito Concorrencial Brasileiro foi uma importação dos Estados Unidos, uma vez que foi no país norte-americano que se verificou pela primeira vez as primeiras legislações, doutrinas e órgãos de aplicabilidade do direito antitruste.
Os primórdios do que hoje chamamos também de Direito Concorrencial remonta os tempos da Revolução Industrial que foram marcados por grandes mudanças socioeconômicas, dentre elas: (i) uma forte migração das pessoas do campo para a cidade; (ii) o aumento do mercado consumidor; (iii) modificação no sistema de produção ; (iv) maior oferta de mão-de-obra; e, (v) um deslocamento da produção das oficinas para as fábricas.
Tais mudanças permitiram um aumento das atividades econômicas organizadas e, consequentemente, uma possibilidade para o empresariado aumentar a sua produção e o seu lucro.
Ocorre que, em que pese os benefícios sociais propiciados pelo progresso econômico capitaneado pela livre iniciativa, a ausência de reguladores das atividades empresariais levou os juristas a enfrentarem distorções do modelo jurídico-econômico vigente à época.
Por exemplo, a prática de concorrência predatória, formação de cartéis, controle horizontal da produção econômica e a impossibilidade de pequenos empreendedores ingressarem no mercado.
Feito este breve apanhado histórico, vejamos como tal instituto jurídico funciona no Brasil:
O Direito Concorrencial serve para controlar o Poder Econômico que indevidamente tente dominar todo um mercado. A nossa Constituição prevê que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
Vale frisar também que a livre concorrência é um princípio constitucional, estando disciplinado no artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
IV – livre concorrência;
(…)
A concepção de tal princípio está calcada no pressuposto de que a concorrência não pode ser restringida por agentes econômicos com poder de mercado. É dizer que, em um mercado em que há concorrência entre as empresas, os preços praticados tendem a manter-se nos menores níveis possíveis, e as empresas precisam buscar constantemente formas de se tornarem mais eficientes para que possam aumentar os seus lucros e promover a inovação.
Neste sentido, o Brasil possui um sistema de defesa da concorrência, disciplinado pela Lei Lei 12.529/2011, o qual é composto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade e pela Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac) do Ministério da Fazenda.
O CADE tem as atribuições de analisar e aprovar ou não os atos de concentração econômica, de investigar condutas prejudiciais à livre concorrência e, se for o caso, aplicar punições aos infratores, e de disseminar a cultura da livre concorrência.
O sistema de defesa econômica da concorrência visa, dentre outras finalidades, o combate ao abuso de Poder Econômico, este compreendido como o comportamento de uma empresa ou grupo de empresas que utiliza seu poder de mercado para prejudicar a livre concorrência, e monopólio – situação na qual há apenas um fornecedor de determinado bem ou serviço no mercado, permitindo que o monopolista manipule artificialmente os preços em detrimento do mercado de consumo.
No Brasil, é possível que qualquer cidadão informe o CADE acerca de práticas anticoncorrenciais, o qual por sua vez poderá abrir um inquérito para apurar os fatos.
O CADE analisa atos de concentração econômica, estes compreendidos como:
(i) fusões: ato societário pelo qual dois ou mais agentes econômicos independentes formam um novo agente econômico, deixando de existir como entidades jurídicas distintas.
(ii) As aquisições: quando um agente econômico adquire o controle ou parcela substancial da participação acionária de outro agente econômico.
(iii) As incorporações: ato societário pelo qual um ou mais agentes econômicos incorporam, total ou parcialmente, outros agentes econômicos dentro de uma mesma pessoa jurídica, no qual o agente incorporado desaparece enquanto pessoa jurídica, mas o adquirente mantém a identidade jurídica anterior à operação.
(iv) Joint venture: Associação entre dois ou mais agentes econômicos para a criação de um novo agente econômico, sem a extinção dos agentes que lhe deram origem.
Nem todos os atos de concentração devem ser notificados ao CADE, e sim apenas aqueles em que pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado faturamento bruto anual ou volume de negócios total no Brasil, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 750 milhões, e pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado faturamento bruto anual ou volume de negócios total no Brasil, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 75 milhões.
Ao analisar um ato de concentração, o CADE levará em conta, dentre outros fatores, a participação de mercado das empresas envolvidas na operação, e se há existência ou não de rivalidade por parte dos concorrentes.
Se um dos atos de concentração cuja notificação seja obrigatória não observe as regras descritas acima, podem ser aplicadas sanções que variam entre R$ 60 mil e R$ 60 milhões – a depender da condição econômica dos envolvidos, dolo, má-fé e do potencial anticompetitivo da operação, entre outros – e a possibilidade de abertura de processo administrativo contra as partes envolvidas.
Entendido como funciona o Direito Antitruste no Brasil, bem como as suas origens norte-americanas, vale a pena analisar um recente caso de instauração de processo investigativo de prática anticoncorrencial instaurado pelo Departamento de Justiça Norte Americano em face da empresa Google.
O Departamento de Justiça sustenta que a empresa pagou outros grandes provedores de tecnologia para utilizar o Google como seu sistema de buscas padrão. Dentre estes provedores de tecnologia estão, por exemplo, a Apple.
Trata-se do maior processo antitruste dos últimos 20 anos, sendo que, em sua defesa, o Google sustenta que a instauração de tal procedimento prejudicaria não somente a empresa mas todo o mercado de consumo que ficaria exposto a alternativas de ferramentas de buscas de baixa qualidade, o que, inclusive, poderia elevar os preços dos telefones celulares e dificultaria acesso a serviços que, hoje, são extremamente acessíveis.
Ou seja, em tese, as pessoas não utilizariam o Google como resultado de uma prática anticoncorrencial perpetrada pelos gigantes mundiais da tecnologia, mas pelo simples fato da empresa investigada prestar o melhor serviço e ter um grande prestígio perante o mercado e os seus parceiros.
Percebe-se, portanto, que o grande ponto de inflexão do Direito Concorrencial no segmento tecnológico é conseguir distinguir uma prática anticoncorrencial de uma consequência mercadológica, advinda de uma superioridade técnica-mercadológica de uma só empresa em detrimento das suas concorrentes.
Dúvidas? A equipe do Silva | Lopes Advogados pode te ajudar!
*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Barcellos é integrantes do time do escritório.
PODCAST
O que é ser um líder? [com Kelly Gusmão (Warren) e Fábio Barboza (Kobe)]