Por Paola Martins, Lucas Euzébio e Layon Lopes*
No país, existem diversas formas de investimento. Algumas delas são de esfera exclusivamente privada, como é o caso do contrato de investimento anjo e do mútuo conversível. Outras modalidades de aporte, entretanto, por envolverem interesses que vão além da esfera privada, necessariamente passam pelo crivo e pela regulamentação de autarquia própria. Este é o caso do Fundo de Investimento em Participação (FIP).
Sempre que interesses envolvendo valores mobiliários estão em questão, surge a figura regulamentar da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia criada através da Lei nº 6.385/76 que tem por competência fiscalizar as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários. E o Fundo de Investimento em Participação, que, como se verá a seguir, tem por escopo justamente a aquisição de valores mobiliários, acaba sendo regulamentado, no que tange a sua constituição, administração e funcionamento, pela comissão.
Por força da já mencionada Lei nº 6.385/76, Artigo 2º, V, as cotas de fundos de investimento são entendidas como valores mobiliários. Desta forma, o FIP fica sujeito ao regulamento da CVM, tratando-se de matéria regulada.
Para fins de regulamentar matérias de sua competência, a CVM edita e publica instruções com tal objetivo. Nesta senda, atualmente a matéria é regulada pela através da Instrução CVM nº 578, de 30 de agosto de 2016 (ICVM 578), que dispõe sobre a constituição, a administração e o funcionamento destes.
Com a finalidade de introduzir o tema de forma sistemática, a própria ICVM 578 se ocupa do papel de realizar a definição e conceituação dos FIPs. Cumpre ressaltar que a instrução define os FIPs, em seu Artigo 5º, como uma comunhão de recursos que se destina à aquisição de valores mobiliários tais como ações, bônus de subscrição, debêntures simples ou outros.
Para que os Fundos de Investimento em Participação existam, portanto, deve-se observar os requisitos e procedimentos dispostos em tal normativa. Analisando a ICVM 578, podemos destacar, quanto à constituição de FIPs, os seguintes elementos:
Constituição
Na forma do artigo 5º da ICVM 578, o FIP deve ser constituído sob a forma de condomínio fechado, regido por ato de constituição e regulamentos próprios, os quais devem ser elaborados tendo em vista os requisitos previstos em tal normativa. Além da forma jurídica de sua constituição (mediante condomínio fechado), a ICVM 578 apresenta outras importantes questões relativas aos requisitos e procedimentos a serem observados para constituição de FIP. É o caso, por exemplo, da composição da denominação a ser adotada pelo FIP.
Importante destacar que o FIP deve observar, quando da escolha de sua denominação, a inclusão da expressão “Fundo de Investimento em Participações”, bem como fazer referência à respectiva classificação do fundo. Deve-se notar que, no que tange ao objetivo e destinação do mesmo, este deve destinar a comunhão de recursos à aquisição de ações, bônus de subscrição, debêntures simples, outros títulos e valores mobiliários conversíveis.
Tais valores mobiliários poderão ser tanto de emissão de companhias de capital aberto, quanto de companhias de capital fechado, ou, ainda, de sociedades limitadas. O fundo contará com cotistas, os quais se reunirão em assembleia para tratar sobre assuntos de interesse do condomínio celebrado.
Deverá contar com administrador, ao qual competirá a efetiva administração do fundo ou a contratação de terceiros para este fim. Ressalta-se, entretanto, que a normativa prevê, em seu Artigo 33, que apenas pessoas jurídicas autorizadas pela CVM para o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários podem exercer a atribuição de administração de FIP.
Regulamento
O Artigo 9º da ICVM 578 dispõe sobre os requisitos e elementos que, obrigatoriamente, devem estar presentes no FIP, quais sejam:
-
- patrimônio inicial mínimo estabelecido para funcionamento do fundo;
- qualificação do administrador e, se for o caso, do gestor;
- política de investimento a ser adotada pelo fundo, com a indicação dos ativos que podem compor a sua carteira e explicação sobre eventuais riscos de concentração e iliquidez desses ativos, incluindo a possibilidade de realização de adiantamentos para aumento de capital;
- regras e critérios para a fixação de prazo para as aplicações a partir de cada integralização de capital;
- regras e critérios sobre a restituição do capital ou prorrogação deste prazo, no caso de não concretização do investimento no prazo estabelecido;
- taxa de ingresso ou de saída a ser paga pelo cotista, se houver, e o critério para sua fixação;
- remuneração do administrador e do gestor e critério para sua fixação;
- a taxa máxima de custódia, expressa em percentual anual do patrimônio líquido do fundo;
- informações a serem disponibilizadas aos cotistas, sua periodicidade e forma de divulgação, incluindo o conteúdo e periodicidade das informações previstas no art. 40, III;
- despesas e encargos do fundo, observado o disposto no art. 45;
- possibilidades de amortização e distribuição de rendimentos, com as respectivas condições;
- direitos políticos e econômico-financeiros de cada classe de cotas, se aplicável;
- competência da assembleia geral de cotistas, critérios e requisitos para sua convocação e deliberação;
- prazo de duração do fundo e condições para eventuais prorrogações;
- indicação de possíveis conflitos de interesses existentes no momento da constituição do fundo;
- a possibilidade de realização de operações nas quais o administrador ou gestor atuem na condição de contraparte do fundo;
- processo decisório para a realização, pelo fundo, de investimento e desinvestimento;
- existência, composição e funcionamento de conselho consultivo, comitê de investimentos,
- comitê técnico ou de outro comitê, se houver, com a indicação das suas respectivas funções;
- regras para a substituição do administrador e do gestor;
- tratamento a ser dado aos direitos oriundos dos ativos da carteira do fundo, incluídos mas não limitados aos rendimentos, dividendos e juros sobre capital próprio e forma de distribuição ou reinvestimento destes direitos;
- hipóteses de liquidação do fundo;
- possibilidade de utilização de bens e direitos, inclusive créditos e valores mobiliários, na
- integralização e amortização de cotas, bem como na liquidação do fundo, com o estabelecimento de critérios detalhados e específicos para a adoção desses procedimentos;
- possibilidade ou não de futuras emissões de cotas, direito de preferência dos cotistas à subscrição de novas emissões e, se for o caso, autorização para a emissão de novas cotas a critério do administrador ou gestor, independentemente de aprovação em assembleia geral e de alteração do regulamento;
- data de encerramento do exercício social; e
- possibilidade de a assembleia geral de cotistas deliberar sobre a prestação de fiança, aval,aceite, ou qualquer outra forma de coobrigação e de garantias reais, em nome do fundo.
Nota-se, portanto, que diversos são os requisitos e elementos que necessitam constar no regulamento do Fundo de Investimento em Participação e que, aqueles que desejam prosseguir com a constituição de tal fundo precisam ter em mente ao iniciar o procedimento para este fim junto à CVM.
Classificação
Como visto anteriormente, a classificação do Fundo de Investimento em Participação na forma da ICVM 578 deve ser levada em consideração para constituição deste fundo. O Artigo 14 de tal normativa dispõe que os FIPs podem ser classificados de acordo com o perfil de receita gerada e/ou de segmento de atuação das empresas das quais desejam adquirir valores mobiliários / realizar investimento.
Desta forma, tem-se as seguintes classificações: capital semente, empresas emergentes, infraestrutura, produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação, e multiestratégia.
Registro prévio na CVM
Uma vez constituído o Fundo de Investimento em Participação, a efetiva realização da oferta pública de distribuição de cotas do mesmo, via de regra, de prévio registro na CVM. Na forma do Artigo 2º da ICVM 578, uma vez realizado o pedido de registro prévio, este será automaticamente concedido, desde que se apresente à CMV, mediante protocolo, a seguinte documentação e informações:
I – ato de constituição e inteiro teor de seu regulamento, elaborado de acordo com as disposições desta Instrução;
II – declaração do administrador do fundo de que firmou os contratos mencionados no art. 33, § 2º, se for o caso, e de que estes se encontram à disposição da CVM;
III – nome do auditor independente;
IV – informação quanto ao número máximo e mínimo de cotas a serem distribuídas, o valor da emissão, todos os custos incorridos, e outras informações relevantes sobre a distribuição;
V – material de divulgação a ser utilizado na distribuição de cotas do fundo, inclusive prospecto, se houver;
VI – qualquer informação adicional que venha a ser disponibilizada aos potenciais investidores; e
VII – o número de inscrição do fundo no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ.
Assim, vê-se que a constituição de um Fundo de Investimento em Participação, por se tratar de matéria vai além do mero interesse patrimonial entre as partes envolvidas. Ela atrai a competência da CVM, a qual regula a matéria através da ICVM 578.
Além dos pontos já destacados, comenta-se, ainda, o fato de que, como versa o Artigo 4º da ICVM 478, apenas os chamados investidores qualificados é que podem investir em FIPs. Desta forma, os requisitos para constituição e funcionamento de FIPs, buscando elucidar e disciplinar procedimentos que garantam segurança e confiabilidade ao processo envolvendo valores mobiliários.
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*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados, Euzébio e Martins são integrantes do time do escritório.