Por Gustavo Chaves Barcellos*
O financiamento coletivo já uma prática muito comum no Brasil, tendo sido fundamental para salvar um negócio, ou até mesmo uma vida. Exemplificativamente, o Vakinha que é o maior player deste segmento, possui, em seu portfólio de financiamentos coletivos, usuários que criaram “vaquinhas” para as mais diversas causas (desde bebês que nasceram com alguma enfermidade rara até catástrofes como os episódios que ocorreram em Minas Gerais em 2019).
Portanto, torna-se inequívoca a importância do financiamento coletivo para um país tão desigual, injusto e violento como o Brasil. Entretanto, impõe-se uma questão: E quando os financiamentos coletivos não atingem as metas pretendidas, ou não encontram colaboradores aptos para atingi-las?
É aí que surge a importância do matchfunding que nada mais é do que um financiamento coletivo “misto”.
Os termos que compõe a palavra são autoexplicativos quanto à finalidade do instituto em questão: match (combinação) + funding (financiamento). No matchfunding, existem portanto duas categorias de participantes para a mesma campanha, sendo eles:
(i) As pessoas físicas organizadas que compõe a sociedade civil, na qualidade de apoiadores;
(ii) Uma instituição financiadora: Pessoa Jurídica, com o potencial econômico para catalisar a campanha e que detém particular interesse em participar da mesma dado o seu impacto social.
Sendo assim, em um cenário hipotético, onde se cria um financiamento coletivo para minimizar o sofrimento da população atingida pelos os desastres de Mariana e de Brumadinho por exemplo, dificilmente, a sociedade civil conseguirá arrecadar valores suficientes para suprir as suas necessidades.
Entretanto, através do matchfunding, dada a repercussão e a importância da tragédia objeto do financiamento, diversas empresas que estão interessadas em investir neste financiamento coletivo podem auxiliar na complementação dos valores pretendidos.
Sendo assim, unem-se as empresas que querem ajudar em alguma causa com os financiamentos coletivos liderados pela sociedade civil que buscam complementação econômica dada a complexidade do seu objeto.
Mas, e como se dá o match?
O match entre os financiamentos coletivos e as instituições financiadoras se dá através de plataformas desenvolvidas por empresas que atuam no segmento dos financiamentos coletivos que, por meio das suas funcionalidades, fazem a intermediação entre estas duas “pontas”, facilitando a sua comunicação.
Neste cenário, as plataformas verificam quais financiamentos coletivos são atrativos para receberem investimentos de acordo com a sua atratividade social e/ou econômica e detectam quais instituições financiadoras têm o interesse e a capacidade financeira para atendê-las.
Em que pese a simplicidade do conceito, uma questão tributária importante se impõe:
Não raro as beneficiárias dos proventos dos matchfundings são Organização Não Governamentais (“ONG´s”), as quais gozem de imunidade tributária, estando dispensadas do recolhimento do chamado imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) – tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, que incide quando da transmissão não onerosa de bens ou direitos
De fato, há uma norma constitucional, contida no art. 150, VI, línea “c” da Constituição Federal, que confere imunidade tributária às instituições sem fins lucrativos de educação e de assistência social, dentre outras. Entretanto, como trata-se de um imposto de competência estadual, há de se avaliar a própria legislação estadual, a fim de verificar se o legislador estadual previu a hipótese de não-incidência do ITCMD via isenção ou não.
Exemplificativamente, tomando-se como base a legislação tributária do Estado do Rio Grande do Sul, há previsão de não incidência do ITCMD relativo à doação em que o donatário seja uma instituição sem fins lucrativos (Art. 6, inciso VII do Decreto nº 33.156).
Entretanto, quando não há ONG-S envolvidas, há de se fazer um alerta no que toca ao pagador do ITCMD, uma vez que, segundo a legislação do Rio Grande do Sul, há previsão expressa no sentido de que:
(i) o doador será o contribuinte, quando domiciliado ou residente no País; ou,
(ii) o donatário será o contribuinte, quando o doador não for domiciliado nem residente no País.
Sendo assim, caso as empresas que fazem o “match” venham a receber em suas contas a doação do match-funder (doador) para, posteriormente, repassar ao match-fundee (donatário “final”), na qualidade de “intermediadoras”, há de se fazer algumas considerações:
Se o match-funder reside no Brasil e “doa” determinado valor à empresa intermediadora, o próprio Match-funder ficará responsável por recolher o ITCMD;
Entretanto, se o match-funder não reside no Brasil e “doa” determinado valor à empresa intermediadora, será ela a responsável por recolher o ITCMD;
Neste último caso, se, após o recebimento da doação, o valor ingressar nas contas da empresa intermediadora sediada no Brasil para somente depois ser repassado do donatário final, há a possibilidade de duplo recolhimento de ITCMD: um na entrada e outro na saída do valor.
Para evitar que isso ocorra, uma possibilidade operacional interessante seria a empresa intermediadora criar uma instituição de pagamento para fazer a gerência de tais valores e a sua segregação, de modo a evitar o duplo recolhimento. Tal movimento deve ser feito com uma assessoria especializada neste tipo de segmento dada a sua complexidade regulatória.
Certo é que, em cenários de pandemia como o que vivemos, soluções como esta são de fundamental importância, pois unem aqueles que se organizam para atender a uma complexa e difícil causa com as instituições que possuem o poderio econômico para garantir que tal atendimento ocorra.
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*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Barcellos é integrante da equipe do escritório.