Por Renan Raffo e Layon Lopes*
A Constituição Federal de 1988 estipula que a administração pública, em todas as suas esferas, ao celebrar negócios jurídicos com terceiros particulares – como, por exemplo, a contratação de insumos para hospitais públicos ou a realização de uma obra -, deverá, em regra, fazê-lo por meio da já bastante conhecida licitação. De forma sintética, pode-se afirmar que o processo licitatório possui dois grandes objetivos: a obtenção de uma proposta vantajosa para o ente público; e a garantia de que a contratação, por parte da administração pública, seguirá critérios isonômicos, buscando evitar a ocorrência de fraudes ou favorecimentos a agentes públicos e privados.
O cumprimento de todos os trâmites que devem ser observados quando da realização de uma licitação, porém, torna o processo licitatório moroso. No entanto, em determinados contextos, não há a possibilidade de se suportar tamanha espera para que o objeto da contratação passe a ser executado. O atual cenário que praticamente o mundo inteiro vivencia se encaixa perfeitamente a esta hipótese: por conta da pandemia provocada pela disseminação da Covid-19, os agentes públicos se veem obrigados a agir de forma célere no combate à doença. Afinal, já são diversos os relatos de falta de leitos, profissionais, insumos e aparelhos em hospitais para atender à população adoecida – listando, aqui, apenas alguns dos principais impactos da atual crise.
No Brasil, o cenário não é diferente. O Governo Federal chegou a decretar estado de calamidade pública, a fim de obter a flexibilização de uma série de previsões legais para que consiga atender, com a agilidade que a situação impõe, às demandas que surgem a todo tempo. Mas em que, exatamente, a decretação de estado de calamidade facilita a atuação da administração pública? Dentre outros aspectos, a possibilidade de o ente público realizar contratações emergenciais, por meio da dispensa de licitação, é uma destas flexibilizações. Vejamos.
A Lei 8.666/1993 estipula, em seu art. 24, inciso IV, que é dispensável a licitação nos casos de emergência ou calamidade pública, “quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;”.
Há de se observar, portanto, que a decretação do estado de calamidade pública não afasta, por si só, a obrigação de licitar que recai sobre a administração pública – até mesmo porque o estado calamitoso é decretado pelo Poder Executivo de forma discricionária e unilateral. Faz-se imprescindível avaliar, no caso concreto, se de fato estão presentes os requisitos que ensejam a dispensa de processo licitatório, isto é: urgência no atendimento da situação específica objeto do contrato; conexão entre o objeto do contrato e a situação calamitosa; e possibilidade de conclusão do objeto contratual em até 180 (centro e oitenta dias). Estas imposições legais visam restringir a dispensa de licitação apenas àquilo que realmente for necessário de se realizar às pressas – pois, afinal, a Constituição Federal prevê que a regra é a realização de licitação.
Nesta toada, diversos são os julgados, em tribunais de todo o país, em que o Poder Judiciário considerou haver vícios na celebração de contratos administrativos emergenciais com dispensa de licitação. Isto porque, como explicado, a mera decretação de estado de calamidade ou de emergência, pela administração pública, não a autoriza a, deliberadamente, abdicar dos procedimentos licitatórios. Portanto, tendo como pano de fundo o atual contexto de pandemia pelo qual estamos passando, é fundamental que empresas que venham a firmar relações com o poder público avaliem se, no seu caso concreto, é verificável o enquadramento legal para que sejam firmados contratos emergenciais. Sem dúvidas, isto pode livrar a empresa de grandes dores de cabeça futuras – como, por exemplo, condenações por improbidade administrativa ou, ainda, em foros criminais.
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*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Raffo é integrante do time do escritório.
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