O que é o Regime Jurídico Emergencial Transitório O que é o Regime Jurídico Emergencial Transitório

O que é o Regime Jurídico Emergencial Transitório

Veja o que mudou na prática

Por Lucas Euzébio, Renan Raffo e Layon Lopes*

O Regime Jurídico Emergencial Transitório (RJET) trata-se de uma série de disposições legais, recentemente aprovadas pelo Congresso Nacional, a fim de adaptar diversos aspectos de relações jurídicas no atual contexto de pandemia. O RJET modificou diversos pontos práticos que circundam a vida do empreendedor, sendo, portanto, bastante indispensável a atenção da sociedade a este texto legal. Por meio da escrita do presente artigo, vislumbra-se elucidar alguns pontos, de modo que, com um cunho mais prático, o leitor conheça as alterações promovidas nas relações jurídicas de direito privado de forma objetiva.

A publicação do Regime Jurídico Emergencial Transitório se deu no dia 12 de junho de 2020, sendo que o diploma legal se chama  Lei nº 14.010/2020. O texto aprovado pelo Congresso Nacional teve diversos pontos vetados pelo Presidente da República. Neste sentido, é importante atentar-se ao que de fato foi alterado e o que ficou pelo caminho, cessando dúvidas ocasionadas por leituras desatualizadas sobre o tema, tendo em vista que os pontos vetados impactariam de forma substancial a vida do empreendedor.

O primeiro ponto a ser esclarecido é o prazo de vigência de todas as modificações legislativas que entram em vigor por meio da RJET. De forma pouco usual, o RJET possui prazo de entrada em vigor retroativo! Em outras palavras, o Regime Jurídico Emergencial Transitório altera relações jurídicas de direito privado a partir do dia 20 de março de 2020, pois, no entender do legislador, foi essa a data que o COVID-19 e seus eventos se derivaram e passaram a impactar significativamente diversos aspectos da vida em sociedade. O fim da vigência do RJET, por conseguinte, ocorrerá em 30 de outubro de 2020.

Elencamos as inovações legislativas introduzidas pelo RJET:

Assembleias Gerais (Aspectos societários)

As assembleias gerais poderão ser realizadas por meios eletrônicos, independente de previsão nos atos constitutivos da empresa, inclusive sobre tópicos elencados no art. 59 do Código Civil, como a alteração do Estatuto e destituição de administradores, pontos sensíveis em uma sociedade empresarial.          

A manifestação dos participantes nessas reuniões poderá se dar por meio eletrônico (Assinatura eletrônica), podendo utilizar ferramentas como Autentique, Clicksign, entre outras, para assegurar a identificação do participante e manifestação de seu voto, produzindo os efeitos legais de uma assinatura presencial.

Direito de arrependimento (Relação de consumo)

O direito de arrependimento do consumidor foi suprimido nas hipóteses de entrega domiciliar, ou seja, em compras realizadas por meio eletrônico, como telefone, website e todos os meios que o consumidor não tenha o contato físico com o produto, para entregas de produtos perecíveis ou medicamentos.

Em outras palavras, o consumidor que realizar compras online de medicamentos ou produtos alimentícios (delivery) por meio de aplicativos ou compras no mercado, por exemplo, não poderá exercer seu direito de arrependimento nesses casos.

O Direito de arrependimento é o prazo de sete dias, prazo de reflexão onde o consumidor pode se arrepender da compra.

Importante constar que esse direito continua em vigor para as demais modalidades, como compras de vestuário, produtos eletrônicos e livros. Sendo suprimido pela Lei apenas no que toca alimentos e medicamentos.

Infrações de regime concorrencial

Alterações sensíveis nas infrações sobre a ordem econômica e concorrência, como autorização para vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo, o que é considerado conduta infracional da ordem econômica e, suspenso por essa Lei, bem como a cessão parcial ou total das atividades da empresa sem justa causa comprovada.

E, a prática de ato de concentração, que nada mais é do que atos submetidos ao CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), ficando sem eficácia segundo a Lei, a previsão do art. 90, inciso IV da Lei de defesa da concorrência, que nada mais é do que o não reconhecimento de ato de concentração quando duas ou mais empresas celebrarem contratos associativos consórcio ou joint ventures. 

Importante frisar que essas suspensões narradas acima não afastam a possibilidade de análise posterior do ato ou apuração de infração à ordem econômica, de acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia, conforme o art. 14 do RJET.

Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)

Os prazos de vigências da LGPD passam a ser os seguintes:

  • Vigência a partir de 28/12/2018, dos artigos que tratam sobre a ANPD e Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade;
  • A partir de 01/08/2021, os artigos que tratam sobre a fiscalização e aplicação de multas;
  • A partir de 03/05/2021, os demais artigos (ressaltando que esse ponto ainda pode ser alterado porque a MP ainda não foi convertida em Lei).

Reivindicação de propriedade (Usucapião)

Ficam suspensos os prazos de aquisição de propriedade sob o argumento do usucapião. Ou seja, o prazo que contaria para alegar a tese de usucapião, que é a reivindicação de uma propriedade para si, fica suspenso, não servindo para uma futura alegação judicial.

Atividades condominiais

Quem reside em condomínios sabe da existência de assembleias, tratadas a partir do art. 1.347 do Código Civil. A Lei altera aspectos sobre votação, que poderão ocorrer em caráter emergencial por meios virtuais, devendo os condôminos se manifestarem por meio de assinatura eletrônica, a qual será equiparada à assinatura presencial, ou seja, o meio de prova dessa manifestação deve existir.

As votações poderão, inclusive, tratar de temas sensíveis, como destituição de síndico que pratica irregularidades ou não presta contas, aprovação de contas, entre outras previsões dos artigos 1.349 e 1.350 do Código Civil.

Não menos importante, caso não seja possível a realização de assembleia condominial de forma eletrônica, os mandatos dos síndicos que venceram a partir de 20 de março de 2020 ficam automaticamente prorrogados até 30 de outubro de 2020.

Pensão Alimentícia e prisão do devedor (Direito de Família e Sucessões)

O devedor de alimentos, nos pedidos de prisão civil, deverá cumprir prisão exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações alimentícias.

Dilatação do prazo de duração dos inventários e partilhas na sucessão abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020, tendo seus prazos iniciais dilatados para 30 de outubro de 2020, bem como a suspensão do prazo de inventário e partilhas iniciados antes de 1º de fevereiro de 2020, suspendidos até 30 de outubro de 2020.

Em face da extensa gama de alterações legislativas introduzidas pelo RJET, percebe-se que o legislador buscou, por meio deste instrumento legal, minimizar impactos que inevitavelmente têm sido diariamente sentidos pelos cidadãos e empreendedores durante a pandemia. Neste sentido, faz-se evidente que estas modificações, que alteram apenas relações privadas, são uma tentativa de dar soluções paliativas para problemas que, até pouco, não estavam no radar de ninguém.  

A medida é, sem dúvidas, importante e, não fosse pelos vetos presidenciais, poderia ter abarcado ainda mais aspectos das relações jurídicas. No entanto, deve-se fazer a ressalva de que o RJET tratou a pandemia como sendo um fator que impactou extraordinariamente e de forma uniforme todas as relações regidas pelas normas alteradas, sem que fosse dada qualquer abertura para que se faça uma análise pontual de cada relação.

Dúvidas? A equipe do Silva | Lopes Advogados pode te ajudar!

*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados, Euzébio e Raffo são integrantes do time do escritório.