Por Cristiane Serra e Lucas Euzébio*
Reconhecido como um dos grandes potenciais econômicos do Brasil, sobretudo no setor agropecuário – com o 5º maior PIB do país, sendo responsável por 6,3% -, nos últimos anos o Rio Grande do Sul tem demonstrado que seu solo também é muito fértil na tecnologia e inovação.
Com uma base cada vez mais sólida de indústria de transformação, parques tecnológicos, educação de excelência, entre outros fatores, o estado propicia um terreno em plenas condições para não apenas o plantio, mas também para o crescimento rápido de startups, empresas de tecnologia e inovação e demais players do ecossistema.
Para a coordenadora de economia digital e startups da Sebrae-RS, Debora Chagas, o atual momento vivido pelo ecossistema gaúcho é o melhor. “Cada vez mais temos oportunidades para novos modelos de negócios ligados a tecnologia por que também surgem cada vez mais problemas. E estes problemas, tanto da indústria, do varejo, do agro ou seja lá qual for o seguimento podem ser resolvidos de uma forma mais fácil usando tecnologia”, comenta. Debora destaca, ainda, as soluções para facilitar o cotidiano das pessoas e o fato de que muitas das grandes empresas estão se movimentando para buscar novas formas de inovar, surgindo assim, possibilidades de parcerias.
O último relatório divulgação pela Associação Brasileira de Startups (Abstartups) validou este crescimento do ecossistema gaúcho. De acordo com o levantamento anual da entidade, divulgado em abril deste ano, o Rio Grande do Sul assumiu a 2ª colocação no ranking dos estados líderes em número de startups, ficando atrás apenas de São Paulo.
A evolução gaúcha, que possui 951 startups, é resultado de um conjunto de ações que envolve iniciativa pública, instituições de ensino e de fomento ao empreendedorismo, além do fato que grandes empresas estão voltando seu olhar para startups, com o objetivo inovar. O relatório também apontou como fatores importantes para o avanço do estado gaúcho as grandes aceleradoras e parques tecnológicos.
Como e por qual motivo o estado consegue gerar um grande impacto e valor na nova economia foram questões estudas no levantamento Gaúcho Tech Mining Repor, realizado pela plataforma de inovação para startups, corporações e investidores Distrito.
A pesquisa debruçou-se sobre 422 startups gaúchas e traçou um mapa do ecossistema no estado, identificando as principais características e como a economia local se constitui dentro do setor de tecnologia e inovação. Ao dividir as empresas analisadas em 26 categorias, o estudo revelou a diversidade de soluções e áreas de atuação dos empreendimentos. Os setores que mais se destacaram foram: adtechs, com 13,5%; TI, 12,3%; healtechs, 8,8%, e fintechs 8,5%.
Ainda, segundo o levantamento, as dez maiores startups são Accera, Aegro, Bling, Pix Force, Rocket.chat, TownSq, Triider, Umov.me, Warren e Zenvia. Os critérios de classificação do Top10 foram baseados na indicação de players do ecossistema gaúcho (aceleradoras e venture capitals), captação de investimentos, faturamento presumido, número de funcionários e até engajamento de usuários em mídias sociais.
“Sempre pensamos em construir algo legal aqui na nossa cidade [Porto Alegre], criar uma história de sucesso aqui, para depois conquistar o restante do Brasil”, relembra o CEO da Triider, Juliano Murlick. A startup vive um momento de ampliação de sua operação. “Estamos justamente neste momento, depois de completar três anos de operação em Porto Alegre, iniciamos a nossa expansão nacional. Este ano iniciamos a operação em Curitiba e agora em Belo Horizonte. Nossa meta é mais duas capitais até o final do ano”, revela.
RAIO-X do ecossistema gaúcho
No mapa regional do estado é possível identificar que Porto Alegre concentra mais da metade das empresas inovadoras, com 56,8%. Outras quatro cidades também se destacam, são elas São Leopoldo, com 7,6%; Caixas do Sul, 6,3%; Santa Maria, 4,1%, e Pelotas, 3,9%.
Distribuída em 27 polos, a matriz de inovação e tecnologia do Rio Grande do Sul segue um padrão mundial: as regiões com maior urbanização e modernização são as protagonistas do ecossistema e influenciam as proximidades.
Segundo o levantamento, o ecossistema do Rio Grande do Sul também é composto por 21 parques tecnológicos credenciados e mais de 30 incubadoras. Além de aceleradoras, hubs e diversos cases de sucesso.
Perfil – Segundo o Gaúcho Tech Mining Repor, 85% das startups foram fundadas entre 2010 e 2018. Dessas, 127 empresas nasceram nos últimos três anos, representando 30% do total das companhias analisadas no levantamento. Quanto a categoria, mais de 65% das empresas são B2B, 21% são B2C e 13,9% são B2B e B2C.
Mais da metade das empresas possuem um time composto por cinco pessoas. A composição societária é predominantemente masculina, representando 83,4%. Enquanto a parcela feminina é de 16,6%. O número médio de sócios é de 2,7.
43,6% das startups possuem faturamento anual menor que R$ 360 mil cada. Já 46,4% das empresas faturam até R$ 5 milhões por ano cada. E 7,6% registram faturamento anual entre R$ 5 milhões e R$ 25 milhões cada. Enquanto 1,6% possuem faturamento anual entre R$25 milhões e R$ 100 milhões cada e 0,8% registram valor superior a R$ 100 milhões cada.
Capital humano – Outro ponto forte é a presença de um capital humano rico, com universidades no topo dos rankings brasileiros, como UFRGS, UFSM, PUCRS, Unisinos, UCS e outros. A qualidade dos profissionais locais é comparável ao nível encontrado nas grandes empresas de tecnologia.
E foi justamente essa qualidade um dos fatores decisivos para a fintech Warren ter sua base em Porto Alegre. “O pilar de tudo o que construímos é tecnologia, então era importante estar em um lugar onde existem tantos talentos nesta área”, relembra o CEO da empresa, Tito Gusmão.
A Rocke.chat também foi atraída pela excelência do capita humano. “Eu acredito que o maior patrimônio de empresas de alta tecnologia são as pessoas. Como aqui no Rio Grande do Sul a gente exporta mão de obra qualificada para o mundo inteiro e para o Brasil inteiro, então eu sempre pensei em ter a sede da empresa de desenvolvimento aqui e captar a minha principal matéria prima, que são as pessoas, direto da fonte”, conta o CEO e fundador da empresa, Gabriel Engel.
Comunidade – Com players cada vez mais integrados e interagindo, o Rio Grande do Sul possui seu próprio circuito de eventos. Esta característica assegura a continuidade e enriquecimento da comunidade empreendedora.
Diversos destes eventos estão consolidados como importantes marcos do circuito brasileiro de inovação, como é o caso da Gramado Summit, considerado o maior evento de brainstorming do país. Com objetivo de fomentar o ecossistema de startups e inovação, a 3ª edição da Gramado Summit inicia na próxima quarta-feira, dia 31.
“A quantidade de hubs, eventos, associações dos fundadores de empresas, dos empreendedores está criando o ecossistema que está disseminando o conhecimento de como empreender nesta nova economia, de como criar uma startup”, avalia o CEO da Rocke.chat. Engel também acredita que os hubs, como a Fábrica do Futuro, Poa.hub e Flowork, estão virando polos, a onde as pessoas também se encontram e trocam experiências. “Acho que estar preparado para esse tipo de colaboração em vez de só competição, as pessoas estarem preparadas para incentivar e motivar outros, é o que faz toda a diferença”, comenta Engel.
Desafios – Assim como em qualquer outro lugar, as startups gaúchas também encontram grandes desafios e sentem as dores do crescimento de uma empresa. Entre os principais percalços estão: montar um bom time, construir o produto, validar modelo de negócio, questões de contabilidade, logística (com poucos voos internacionais), além das burocracias e questões regulatórias.
Incentivo – O apoio e incentivo de entidades, como a Associação Gaúcha de Startups (AGS) e o Sebrae – RS, são também peças-chave para o crescimento do ecossistema gaúcho. Grandes empresas também buscam impulsionar a inovação por meio de projeto como o Instituto Caldeira e o Projeto Hélice, na Serra Gaúcha.
Criada há quatro anos, a AGS para ajudar empreendedores e o ecossistema de startups. “Nós realizamos ações para ajudar empreendedores com os principais desafios que vão encontrar no caminho, através de mentorias gratuitas sobre marketing, vendas, modelos de negócios, questões técnicas e jurídicas. Fazemos também a aproximação com investidores através de eventos que aproximam startups e investidores de todos os tipos (anjos, VC, aceleradoras, etc.)”, explica o presidente da entidade, François Holl.
Outra atividade importante realizada pela AGS é a aproximação com profissionais e prestadores de serviço através de eventos que buscam apresentar os desafios e benefícios de trabalhar para uma startup. Atualmente, a entidade conta com 400 startups associadas e os principais setores são adtech, healthtech, fintech, retailtech, Industria 4.0 e agrotech.
Muito ativo no ecossistema do Rio Grande do Sul, o SEBRAE-RS promove o desenvolvimento de empreendimentos de micro e pequeno porte oferecendo diversos programas. “Nós temos várias formas de apoiar estes empreendedores. Nós temos o nosso programa Startups, que é o StartupRS e cada vez mais ele atende todos os estágios de startups”, comenta coordenadora de economia digital e startups da Sebrae-RS, Debora Chagas.
Debora ressalta, também, que em seu portal o Sebrae-RS disponibiliza diversas soluções online, como palestras e cursos. A entidade também realiza o projeto piloto Sebrae Start, plataforma online para quem está iniciando e quer validar um modelo inovador. Além de programas presenciais, como o StartupRS Start (que atende startups em estágio bem inicial), StartupRS Digital (que trabalha com empresas que já estão em estágio de validão e mvp), programa scaleup (com foco na escalabilidade) e programa de internacionalização.
O Sebrae-RS também apoia e leva startups para eventos do ecossistema e apoio diversas atividades do ecossistema.
Investimentos – Outra característica que vem sendo reforçada, é a existência de um movimento cada vez mais sólido de investimento e fomento ao empreendedorismo. Diversas empresas do setor já captaram investimentos de Series A, B e C, além de seed capital.
“Hoje encontramos investidores de todos tipos em Porto Alegre e capital suficiente para abastecer o ecossistema atual. Conforme esse ecossistema vai crescendo, com cada vez mais startups precisando e merecendo investimentos, é provável que investidores de outras regiões venham buscar oportunidades por aqui”, comenta Holl.
Para o CEO da Warren, Tito Gusmão, o fato de não estar baseado em São Paulo ou outros polos mais tradicionais não impede a startup de ser atrativa para investidores. Os investidores não querem investir em ‘empresas de São Paulo’, eles querem investir em empresas que vão solucionar um grande problema e consequentemente podem valer muito dinheiro. Pouco importa onde a empresa está e sim o que ela resolve e quão grande ela pode ser”, fala.
O CEO da Triider, Juliano Murlick, aposta no networking como uma das principais chaves para a captação de investimentos. “O networking é muito importante e apesar do ecossistema ter evoluído bastante nos últimos anos, existem outros mais evoluídos onde networking com grande cases de sucesso e investidores fui mais rápido”, disse.
O ecossistema caminha para uma consolidação ainda mais forte, com todos os seus players atingindo um nível cada vez mais maior de maturidade. Porém, assim como em uma lavoura, é preciso sempre cuidar do terreno para dar continuidade a boa safra e seguir colhendo mais frutos no futuro. Neste caso, colocando de vez o estado no mapa das grandes startups com projetos inovadores.
*Serra e Euzébio são integrantes do time do Silva | Lopes Advogados.