A forma como ativos são estruturados, negociados e compartilhados está passando por uma transformação silenciosa, mas profunda, impulsionada por tecnologias emergentes. No centro dessa revolução, a tokenização de ativos desponta como uma solução que conecta inovação tecnológica e segurança jurídica. Mais do que um conceito técnico, trata-se de um mecanismo com potencial real de remodelar a captação de recursos, a governança patrimonial e o acesso ao investimento no ecossistema de startups, fintechs e empresas de base tecnológica.
Neste artigo, analisamos o que está por trás da tokenização de ativos, como ela opera na prática, quais benefícios oferece às empresas inovadoras, os principais riscos jurídicos envolvidos, e o que a regulação brasileira já sinaliza sobre o tema. O foco é claro: trazer aos gestores e diretores jurídicos uma visão crítica, aprofundada e aplicável do uso estratégico dessa tecnologia.
Conteúdo
- O que é tokenização de ativos?
- Como funciona a tokenização de ativos?
- Benefícios da tokenização de ativos para empresas de tecnologia
- Riscos e desafios jurídicos da tokenização de ativos
- Regulação da tokenização de ativos no Brasil
- Boas práticas jurídicas na tokenização de ativos
O que é tokenização de ativos?
A tokenização de ativos é um mecanismo que permite representar digitalmente, por meio de tokens criados em redes blockchain, direitos sobre bens ou ativos do mundo real. Esses tokens funcionam como unidades digitais que correspondem, de maneira juridicamente estruturada, a um ativo subjacente. O processo envolve tanto a conversão técnica quanto a formalização jurídica dessa correspondência.
Ao adotar esse modelo, é possível aplicar propriedades como divisibilidade, transferibilidade e programabilidade aos ativos representados. A operação ocorre em ambientes digitais que permitem o registro imutável e a execução automatizada de regras, conferindo maior eficiência à gestão e à negociação dos direitos tokenizados.
A validade e a eficácia jurídica dessa estrutura dependem da existência de instrumentos legais sólidos que sustentem o vínculo entre o token e o ativo que ele representa. Isso exige uma abordagem técnica integrada, envolvendo direito contratual, societário, tributário e regulatório, além da compatibilidade com os princípios da tecnologia blockchain.
Como funciona a tokenização de ativos?
A tokenização de ativos envolve um conjunto de etapas interdependentes que combinam fundamentos jurídicos, técnicos e operacionais. Inicialmente, é necessário identificar o ativo a ser representado digitalmente e realizar uma análise jurídica para verificar sua viabilidade legal. Esse diagnóstico preliminar é essencial para definir a natureza do direito a ser tokenizado e os limites jurídicos de sua representação digital.
Na sequência, procede-se à estruturação contratual da operação. Isso implica elaborar instrumentos jurídicos que estabeleçam o vínculo entre o token e o ativo subjacente. Tais documentos devem prever com precisão os direitos conferidos ao detentor do token, os deveres das partes envolvidas e as condições de validade, transferência e exercício dos direitos representados.
A etapa seguinte é a implementação técnica do token em uma infraestrutura blockchain. Essa criação é geralmente viabilizada por meio de contratos inteligentes, os quais automatizam regras previamente definidas, como condições de movimentação, obrigações futuras e critérios de rastreamento. A escolha da rede, pública ou permissionada, impacta diretamente a governança e a conformidade da operação.
A emissão e eventual distribuição dos tokens requerem atenção às exigências regulatórias. Dependendo da natureza jurídica do ativo representado, pode haver necessidade de observância a normas específicas, como as emitidas pela Comissão de Valores Mobiliários, Banco Central ou outras autoridades competentes. O cumprimento regulatório é indispensável para assegurar a legalidade da operação e mitigar riscos de responsabilização.
A partir desse conjunto de procedimentos, os tokens tornam-se operacionais e passíveis de negociação, observadas as condições contratuais e as restrições legais aplicáveis. A efetividade da tokenização depende da coerência entre o desenho técnico do projeto e a estrutura jurídica que o sustenta.
Benefícios da tokenização de ativos para empresas de tecnologia
A tokenização de ativos oferece vantagens significativas para empresas inseridas em ambientes de alta inovação e regulação. Entre os principais benefícios está a possibilidade de conferir maior eficiência à estruturação e gestão de ativos, com redução de custos operacionais e eliminação de intermediários desnecessários. Isso contribui para a otimização de processos internos e a melhoria na alocação de recursos.
Outro benefício está relacionado à flexibilidade na modelagem de operações. A capacidade de segmentar juridicamente os direitos sobre um ativo e representá-los digitalmente permite o desenvolvimento de mecanismos personalizados de captação, financiamento e partilha, alinhados às necessidades específicas de empresas em crescimento ou em estágios iniciais de maturidade.
Além disso, a rastreabilidade conferida pela tecnologia blockchain fortalece a governança e amplia a segurança jurídica das transações. Essa transparência reduz assimetrias de informação e potencializa a confiança entre os agentes envolvidos, algo fundamental em ecossistemas regulados como o de fintechs e startups.
A padronização digital dos ativos também facilita a interoperabilidade com diferentes plataformas, o que, por sua vez, amplia a possibilidade de integração com sistemas de terceiros, soluções de compliance automatizadas e instrumentos financeiros estruturados. Essa conectividade favorece a escalabilidade de operações, tornando-as mais atraentes para investidores e instituições parceiras.
Por fim, a possibilidade de programar direitos, obrigações e eventos contratuais por meio de contratos inteligentes proporciona previsibilidade, reduz o risco operacional e contribui para a mitigação de litígios. Essa automação jurídica fortalece a integridade das operações e eleva o nível de segurança para todos os envolvidos.
Riscos e desafios jurídicos da tokenização de ativos
No Brasil, a regulação aplicável à tokenização de ativos ainda se encontra em processo de consolidação, mas já existem orientações relevantes emitidas por órgãos reguladores. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio de ofícios e pronunciamentos recentes, tem se posicionado no sentido de que tokens que configurem valores mobiliários estão sujeitos à legislação do mercado de capitais. Isso implica a necessidade de observar regras sobre registro de oferta, informações ao mercado e responsabilidades dos emissores.
A interpretação sobre o que constitui um valor mobiliário no contexto digital depende da análise dos direitos conferidos pelo token, da estrutura da operação e da expectativa de retorno econômico atrelada à atuação de terceiros. Essa abordagem principiológica exige análise caso a caso, com suporte jurídico qualificado para assegurar a conformidade da emissão e da negociação dos tokens.
Paralelamente, o Banco Central também tem acompanhado de perto os impactos da tokenização sobre o sistema financeiro, especialmente no que se refere à criação de ativos digitais com funções similares às de instrumentos financeiros tradicionais. A articulação entre projetos públicos, como o Real Digital, e soluções privadas de tokenização, indica a tendência de convergência regulatória nos próximos anos.
Ainda há atuação relevante de órgãos como a Receita Federal, no que diz respeito ao tratamento fiscal das operações, e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), especialmente no tocante à prevenção à lavagem de dinheiro. Diante desse cenário, é indispensável que as empresas adotem uma abordagem integrada de compliance, capaz de atender às exigências de múltiplos reguladores.
Regulação da tokenização de ativos no Brasil
Apesar de todos os benefícios que a tokenização oferece, seu avanço ainda é limitado por obstáculos regulatórios significativos. O principal desafio é a ausência de um marco regulatório específico e consolidado sobre a natureza jurídica dos tokens. Essa lacuna cria incertezas jurídicas que afetam tanto os emissores quanto os investidores, dificultando a segurança e a previsibilidade das operações.
A classificação jurídica dos tokens é um ponto sensível. A depender de sua estrutura e função econômica, os tokens podem ser enquadrados como valores mobiliários, ativos financeiros ou simples representações digitais de bens. Cada uma dessas classificações implica exigências diferentes em termos de registro, oferta pública, custódia, escrituração e governança. A definição adequada é essencial para mitigar riscos regulatórios, evitar autuações e garantir a validade e exigibilidade das operações.
Além disso, as exigências de compliance continuam a se aplicar, mesmo em um ambiente digital. As plataformas que operam com ativos tokenizados devem adotar procedimentos de identificação e verificação de usuários (KYC), bem como mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT), nos termos da legislação aplicável. A ausência dessas medidas pode comprometer a operação e gerar implicações legais sérias.
Outro ponto que merece atenção é a tributação. Ainda não há regras consolidadas sobre como tributar os ganhos oriundos da negociação de tokens. Isso cria incertezas e pode representar um passivo fiscal importante para empresas que operam nessa área.
Por fim, é imprescindível assegurar que os direitos econômicos e obrigacionais representados pelos tokens sejam juridicamente reconhecidos e judicialmente exigíveis. A tokenização só será viável a longo prazo se estiver firmemente ancorada em fundamentos jurídicos sólidos, que assegurem a proteção dos envolvidos em caso de disputas ou inadimplência.
Boas práticas jurídicas na tokenização de ativos
A condução jurídica adequada de projetos de tokenização exige a adoção de boas práticas estruturais, tanto na fase de concepção quanto na execução das operações. A primeira medida essencial consiste na elaboração de documentos contratuais que estabeleçam com clareza os direitos representados pelos tokens e os mecanismos de sua operacionalização. Esses documentos devem ser juridicamente válidos, executáveis e compatíveis com os princípios fundamentais do direito civil e empresarial.
A governança do projeto deve contemplar a definição precisa dos papéis e responsabilidades de cada agente envolvido, incluindo emissores, desenvolvedores, operadores de sistemas e custodians. Essa delimitação contribui para a prevenção de conflitos e a alocação eficiente de riscos jurídicos e operacionais.
Do ponto de vista técnico-jurídico, os contratos inteligentes que sustentam as operações devem ser objeto de revisão especializada, tanto sob a ótica da segurança cibernética quanto da conformidade legal. A compatibilização entre os comandos programados e os efeitos jurídicos desejados é uma etapa crítica para assegurar a funcionalidade e a legitimidade da estrutura adotada.
Adicionalmente, é recomendável a implementação de políticas de compliance robustas, com foco em prevenção à lavagem de dinheiro, proteção de dados pessoais e reporte de informações obrigatórias. Essas políticas devem estar alinhadas às diretrizes de órgãos reguladores e às melhores práticas do mercado, garantindo a solidez jurídica da operação e a integridade das informações tratadas.
O sucesso da tokenização de ativos, portanto, depende de um equilíbrio entre inovação tecnológica, solidez jurídica e responsabilidade regulatória. A adoção de uma abordagem multidisciplinar, com participação ativa de profissionais do direito, tecnologia e mercado financeiro, é determinante para a viabilidade e sustentabilidade de projetos nessa área.
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