Renan Raffo e Layon Lopes*
Com o decorrer dos últimos anos, o mercado de prestação de serviços e comercialização de produtos tem passado por profundas alterações na forma divulgar e monetizar as suas ofertas. Um dos marcos que representa este processo são os marketplaces. Em alta, este modelo de negócio consiste em plataformas digitais de intermediação de serviços e/ou produtos, que, na maioria das vezes, possuem um nicho de mercado específico capaz de captar clientes que estão em busca de determinada demanda – o que pode tornar a oferta de ativos na plataforma algo bastante atrativo.
O diferencial dos marketplaces em relação ao comércio tradicional é que estas plataformas não são as fornecedoras dos produtos ou serviços lá ofertados. Ao pensarmos em uma cadeia de relação de consumo, os marketplaces encontram-se no meio do caminho: fazem o elo entre o fornecedor de serviços/produtos e o consumidor. E, justamente por realizarem a intermediação entre as duas pontas da cadeia, recebem determinada remuneração (o que pode se dar por comissionamento a cada transação bem sucedida, valor fixo por anúncio na plataforma, entre outras modalidades).
Assim como em todas as relações de consumo, os marketplaces não estão isentos de que a entrega do ativo ao cliente contenha vícios ou falhas. Em situações como estas, não raro os consumidores recorrem à plataforma de intermediação para que esta fixe os erros encontrados – afinal, na visão do consumidor, a plataforma foi o meio pelo qual foi realizado o negócio, de modo que caberia a esta reparar quaisquer defeitos oriundos da operação.
Ocorre, entretanto, que, por não serem os fornecedores do objeto transacionado (seja este um produto ou serviço), os marketplaces, em geral, sequer possuem capacidade de corrigir os vícios apontados pelo cliente. Na prática, as plataformas de intermediação não dispõem de meios para assegurar a assertividade do resultado, uma vez que o know-how, ou a matéria-prima, são ativos que, neste modelo de negócio, estão sob a ingerência do fornecedor – figura que, na eventualidade de reclamações do consumidor, deveria responsabilizar-se pela correção dos problemas relatados.
O cotidiano das relações comerciais, todavia, demonstra que isso nem sempre acontece. Muitas vezes desamparado, o consumidor apela ao Judiciário, a fim de buscar a satisfação de um direito que alega não ter sido adimplido. De forma obtusa, por sua vez, os tribunais têm firmado o entendimento de que, por integrarem a cadeia de consumo, os marketplaces devem ser objetivamente responsabilizados pelos vícios provenientes da operação – seguindo a lógica de que, uma vez que as plataformas auferem lucros em cima da transação, devem, por conseguinte, assumir os riscos provenientes desta -, equiparando a responsabilidade das plataformas à dos próprios fornecedores.
Acerca de tal entendimento, é fundamental que seja pontuado que tal interpretação é equivocada e incompleta, pois examina a questão apenas sob a perspectiva da legislação consumerista. Ora, o Código de Defesa do Consumidor foi promulgado em 1990, ano em que sequer se especulava a possibilidade de que existissem novos modelos de negócios, de base tecnológica, como os marketplaces. Uma realidade, portanto, muito distante da atual.
O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), legislação que regula o uso da internet em território nacional, prevê, em seu art. 3º, inciso VI, a “responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades” e, no inciso VIII, a “liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet”. Estes comandos normativos reforçam o entendimento de que o ambiente cibernético deve ser pautado pela liberdade nas relações e pela responsabilização de agentes de forma proporcional à atividade exercida. Logo, se o Judiciário se dispusesse a julgar os casos desta natureza conforme as diretrizes estabelecidas pelas legislação que rege a matéria, deveria limitar a responsabilidade dos marketplaces apenas ao serviço de intermediação, em vez de estendê-la ao resultado final da prestação do serviço ou da entrega do produto – encargo que deveria recair apenas sobre o verdadeiro responsável pelo resultado de tal operação: o fornecedor.
Diante deste cenário adverso, restam algumas alternativas aos marketplaces, a fim de minimizar riscos e danos ao desenvolvimento de seu negócio. Primeiramente, é fundamental que seja firmada uma rede contratual sólida com fornecedores e consumidores. Com os primeiros, os contratos que regulem a parceria comercial devem conter disposições assertivas no sentido de que incumbe ao fornecedor reparar quaisquer danos a terceiros, se oriundos de serviço mal prestado ou entrega de produto defeituoso; com os segundos, os termos de uso da plataforma – ou qualquer outro instrumento que governe a relação entre as partes – devem explicitar que o marketplace não assumirá nenhuma responsabilidade que caiba ao fornecedor, devendo o consumidor demonstrar a sua anuência para com estas disposições, a fim de reforçar a tese de defesa da plataforma em caso de judicialização.
Por fim, se condenados, os marketplaces podem lançar mão do direito de regresso. Este é um mecanismo pelo que se pode buscar, buscar, em juízo, que o real causador do dano – o fornecedor – repare a plataforma pela oneração sofrida. Para que isto seja possível, porém, é também indispensável que haja, no contrato firmado entre as partes, uma previsão que autorize o ajuizamento de ações desta natureza. Caso contrário, o marketplace não terá alternativas, senão assumir e arcar com o ônus que lhe foi atribuído, ainda que nos questionemos se este seria de fato devido.
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*Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados e Raffo é integrante da equipe.