É comum que o empreendedor tenha muitas dúvidas em relação à tributação, sobretudo quando falamos em ágio na subscrição de quotas da Sociedade Limitada (Ltda). E, se esse é seu caso, caro leitor, fique tranquilo! Neste artigo, você encontrará informações preciosas que irão ajudá-lo a entender melhor o tema.
Panorama Geral: Ltda e S.A.
O empreendedor, ao explorar um novo negócio, pode constituir uma sociedade empresária como veículo do empreendimento. Este é um movimento bastante recomendado, já que a constituição de uma sociedade empresária oferece uma barreira de proteção ao patrimônio pessoal de seus sócios contra eventuais contingências inerentes ao risco de qualquer negócio.
No Brasil, os dois principais tipos societários de sociedades empresárias utilizadas como veículo de exploração de atividade empresarial são: Sociedade Limitada e Sociedade Anônima (S.A.). Cada um destes tipos societários oferece diferentes soluções para diferentes etapas da jornada da sua empresa, não havendo um manual pronto aplicável a todos os casos para se saber qual é o momento correto de transformar sua empresa do tipo societário Ltda para S.A.
Ainda assim, é bastante frequente que as empresas iniciem sua jornada sob o tipo societário Ltda e, com o avanço dos negócios, com exigências do mercado (seja por maior necessidade de Compliance Corporativo, seja a captação de investimento via uma operação de M&A ou ainda seja pela necessidade regulação pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, por exemplo) a empresa, devidamente orientada por uma assessoria jurídica externa especializada, transforme seu tipo societário para S.A.
Desse modo, tendo em vista a alta incidência do tipo societário Ltda como veículo escolhido pelo empreendedor para exploração de atividade empresarial, torna-se relevante a discussão acerca da tributação sobre o ágio na subscrição de quotas de sociedade limitada.
Em uma Sociedade Limitada, um dos deveres do sócio é contribuir com o capital social da sociedade através da integralização de bens ou créditos ao capital social da sociedade. Em contrapartida, o sócio recebe quotas emitidas pela sociedade representativas de sua participação societária.
Esta operação, sob o aspecto tributário, não gera tanta discussão quando o valor do bem ou dinheiro integralizado ao capital social da sociedade corresponde ao valor contábil do total das novas quotas subscritas, isto é, quando não a ágio.
Integralização ao capital social com ágio
Este cenário começa a suscitar discussões, principalmente na esfera tributária, quando o valor efetivamente pago pela subscrição e integralização das quotas é superior ao seu valor contábil. Neste caso haverá ágio, isto é, uma diferença positiva entre o valor contábil das quotas emitidas pela sociedade e o efetivo valor integralizado pelo seu sócio subscritor.
A emissão de quotas/ações com ágio é um importante instrumento jurídico utilizado pelas empresas de base tecnológica para a captação de investimentos. Desse modo, uma vez que a parcela do preço de emissão referente ao ágio é destinada à conta de reserva de capital (conforme §2º do artigo 13 da Lei nº 6.404/76 – Lei das S.A.s), e não à conta de capital social da sociedade emissora, o que permite o ingresso de recursos com efeito caixa direto na sociedade, e ao mesmo tempo evitando-se a diluição de sócios que eventualmente não acompanhem o aumento de capital, não havendo incidência de imposto de renda sobre ganho de capital ao subscritor das novas participações societárias emitidas com ágio.
O procedimento acima descrito é realizado com frequência em operações envolvendo sociedades de tipo sociedade anônima. Todavia, é amplamente discutido, seja na esfera administrativa do Fisco seja na esfera judicial, a admissibilidade de operações de aumento de capital social da sociedade via subscrição de novas quotas com ágio e seus efeitos tributários.
Mesmo não havendo proibição expressa no Código Civil quanto a emissão de quotas sem valor nominal por Sociedade Limitada, podendo estas serem regidas de forma supletiva pela Lei das S.A.s, durante muito tempo tanto o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) quanto muitas Juntas Comerciais do país entendiam que sociedade de tipo Ltda apenas poderiam ter quotas com valor nominal, muitas vezes recusando o registros de constituição ou alterações contratuais de sociedades Ltdas que previam quotas sem valor nominal.
Via de regra, a subscrição e consequente integralização de participação societária (sejam quotas emitidas por Ltda, sejam ações emitidas por S.A.), ainda que com ágio, por constituir em uma transferência de capital (e não de renda), não resulta no reconhecimento de uma receita tributável. Isto é, não há acréscimo no patrimônio do sócio subscritor, mas sim movimentação de seu patrimônio (de bens ou dinheiro integralizado ao capital social da sociedade para quotas).
Por esta razão, o Decreto-Lei 1.598/77 dispõe, em seu artigo 38, inciso I, uma regra específica de não-tributação do ágio gerado na subscrição de participação societária, efetivado por preço superior ao seu valor nominal.
Art 38 – Não serão computadas na determinação do lucro real as importâncias, creditadas a reservas de capital, que o contribuinte com a forma de companhia receber dos subscritores de valores mobiliários de sua emissão a título de:
I – ágio na emissão de ações por preço superior ao valor nominal, ou a parte do preço de emissão de ações sem valor nominal destinadas à formação de reservas de capital;
Devido ao fato de o referido dispositivo mencionar apenas hipótese de não tributação sobre ágio na emissão de participação societária por valor superior a o valor nominal em sociedades de tipo S.A., um ponto central de discussão é sobre sua interpretação restritiva (apenas nas hipóteses de S.A.) ou sobre sua interpretação mais extensiva, abarcando as sociedades de tipo Ltda.
Este tema tem sido objeto de divergências no meio tributário, sendo discutido entre Fisco e contribuintes tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial. Por tal razão, a fim de evitar os custos, a morosidade e a incerteza quanto a tais discussões com o Fisco, havendo a necessidade de contribuições desiguais de capitais em sociedade de tipo Ltda, (seja pela captação de um investimento, seja pela conversão de um mútuo conversível, por exemplo) uma solução jurídica bastante utilizada no mercado é proceder a transformação do tipo societário da empresa, de Sociedade Limitada para SA.
Todavia, caso o empreendedor e o sócio subscritor escolham por não proceder com a transformação do tipo societário de empresa em S.A., o contribuinte deverá enfrentar o tema e sustentar a ilegalidade da incidência tributária geradora de imposto de renda sobre o ágio decorrente de subscrição de quotas em Sociedade Limitada.
Ágio na Sociedade Limitada
Tanto o já mencionado art. 38, inciso I, do Decreto-Lei 1.598/77 quanto o art. 520, I do Decreto 9.580/2018 (RIR/2018) dispõem que não serão computados na determinação do lucro real os valores que forem registrados em conta de reserva de capital em virtude de ágio gerado na emissão de novas ações pela sociedade.
Ainda assim, mesmo com as disposições dos mencionados dispositivos legais, como na Solução de Consulta nº 195 da Superintendência Regional da Receita Federal (SRRF) da 8ª Região Fiscal, o Fisco adotou a tese de que ágio não é tributável apenas para as sociedades de tipo sociedade anônima. O entendimento do Fisco foi no sentido de computar na determinação do lucro real as importâncias que foram creditadas na reserva de capital que o contribuinte, com a forma de Sociedade Limitada, recebeu de subscritores das quotas a título de ágio, em função da emissão de quota por preço superior ao seu valor nominal.
Apesar deste posicionamento do Fisco sobre a tributação sobre o ágio decorrente de subscrição de quotas em sociedade de tipo Ltda, é importante destacar que ágio não se inclui no conceito tributário de renda/receita.
Como entendimento em favor da não incidência de tributação sobre o ágio na subscrição de quotas em sociedade de tipo Ltda, entende-se que aportes ao capital social da sociedade não podem ser considerados contabilmente como rendas, visto que ao mesmo tempo que os recursos passam a integrar o patrimônio da sociedade Ltda, esta, em contrapartida, tem uma correspondente obrigação para com os sócios subscritores. Por exemplo, em caso de extinção ou redução de capital social da sociedade, a sociedade deve pagar os sócios, ou seja, o ingresso de recursos na sociedade não é definitivo. Em outras palavras, a natureza do aporte ao capital social da sociedade pelos sócios subscritores é contributiva, não guardando relação com conceito de renda. Isto é, no fim do dia, não há aumento do patrimônio do sócio subscritor. O que há é uma substituição do valor ou bem integralizado no capital social da sociedade Ltda pelas correspondentes quotas emitidas em favor do sócio subscritor.
Assim, não havendo aumento do patrimônio do sócio subscritor, igualmente não há margem para se discutir ganho de capital nesta operação, razão pela qual não haveria o que se discutir em incidência de imposto de renda sobre o ágio na subscrição de quotas emitidas por sociedade de tipo Ltda.
Contudo, pelas razões expostas, mesmo que a subscrição de quotas em sociedade de tipo Ltda ocorra com ágio e não seja um aumento no patrimônio do sócio subscritor, é fato que este tema ainda será bastante discutido entre contribuinte e Fisco tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial.
Neste contexto, antes de se realizar um aumento de capital social de sociedade de tipo Ltda com ágio na subscrição de quotas a serem emitidas, é fundamental a empresa estar bem orientada por assessores jurídicos especializados a fim de mapear as necessidades particulares da empresa, o custo e benefício da operação e o planejamento de qual estratégia adotar ao caso concreto, a fim de mitigar eventuais conflitos e inseguranças sejam perante o Fisco seja entre os próprios sócios da empresa.
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* Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados, Fontoura é integrante do time e Euzébio é integrante do time do escritório.
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