BaaS (Banking as a Service): quais os cuidados jurídicos?

Entenda como funciona o BaaS e quais as vantagens de fornecê-lo ou de contratá-lo no âmbito do mercado financeiro e de pagamentos

BaaS (Banking as a Service): quais os cuidados jurídicos? BaaS (Banking as a Service): quais os cuidados jurídicos?

Por Laura Mallet, Lucas Euzébio e Layon Lopes*

Os participantes do mercado de pagamentos brasileiro, visualizando os novos entrantes e suas inovações nos modelos de negócios, vislumbrou a oportunidade de oferecer um serviço que facilitasse a entrada de novos participantes através da permissão de utilização de suas tecnologias, sem prejudicar o seu atual espaço. Também, permitiu que empresas que não atuassem neste mercado, como e-commerces, supermercados, lojas de roupas ou de cosméticos, entre outros segmentos, possam oferecer serviços de pagamento, sem necessariamente desenvolver a estrutura tecnológica necessária para isso.

 

Conteúdo

O que é BaaS?

Quais são as oportunidades atreladas ao BaaS?

Quais os cuidados jurídicos que o contratante do BaaS deverá ter?

Quais as vantagens e desvantagens de contratar o serviços?

 

Isso se deu através da oferta de serviços de Banking as a Service, comumente conhecido no mercado como “BaaS”, por instituições financeiras ou de pagamentos, conforme regulamentadas pelo Banco Central do Brasil.

 

 

O que é BaaS?

O Banking as a Service, ou BaaS, que em tradução literal significa “serviços bancários como serviço”, trata-se de uma tecnologia de solução financeira ou de pagamentos que, uma vez licenciada ao contratante, permite que este ofereça serviços financeiros ou de pagamentos aos seus usuários, sem precisar deter tecnologia própria ou as autorizações necessárias concedidas pelo Banco Central do Brasil para operar tais atividades, visto que quem as executa é a instituição financeira ou de pagamentos regulamentada pelo referido órgão regulador.

Em resumo, esta tecnologia permite, através de conexões API (Interface de Programação de Aplicações, em português) entre softwares, que o contratante forneça serviços aos seus usuários que são, em realidade, executados pela instituição financeira ou de pagamentos que fornece o Banking as a Service.

Desta forma o usuário apenas visualiza, como fornecedor direto de serviços, o contratante do BaaS, contudo, sempre que o usuário executa algum serviço financeiro ou de pagamentos através da plataforma do seu fornecedor, gera uma comunicação tecnológica com a instituição financeira ou de pagamentos que, por sua vez, a executa.

Vale destacar que essa tecnologia não pode se confundir com o licenciamento de plataformas whitelabel, devendo este ser tratado como uma tecnologia complementar. 

Os fornecedores de serviços de Banking as a Service também podem oferecer plataformas ou instrumentos whitelabel, que permitam ao contratante contratar uma plataforma web ou aplicativo para celulares já pré-desenvolvidos, sendo necessária apenas a customização com a sua marca. Nesta hipótese, o contratante também não precisará desenvolver a tecnologia necessária para a interface com o usuário.

Ou seja, para que haja a caracterização de um serviço como Banking as a Service, não necessariamente deverá haver a oferta de plataformas whitelabel.

 

Quais são as oportunidades atreladas ao BaaS?

Como vimos, o Banking as a Service permite que o contratante utilize a estrutura de terceiro, que deverá ser uma instituição regulamentada pelo Banco Central do Brasil, para fornecer serviços financeiros ou de pagamentos aos seus usuários.

Como serviços financeiros ou de pagamentos, podemos citar, entre outros:

  • Aberturas de contas digitais;
  • Pix;
  • Cartões;
  • Transferências (TED e DOC);
  • Boletos;
  • Soluções de crédito;
  • Open Finance;
  • Iniciação de Transações de Pagamento.

Contudo, os serviços de Banking as a Service podem ser fornecidos de diferentes formas, o que permite que empresas com diferentes interesses e necessidades realizem tal contratação.

Como por exemplo, podemos citar alguns casos hipotéticos:

  • Aberturas de Contas de Pagamento: uma empresa possui o interesse de oferecer contas de pagamento aos seus usuários, que possibilite receber recursos e realizar pagamentos através de cartões e Pix. Para isso, poderá contratar serviços de BaaS que ofereça a abertura de contas de pagamento com as funcionalidades acima citadas, cumulado com aplicativo whitelabel.
  • Pix: uma empresa que já oferece contas de pagamento pretende passar a oferecer a funcionalidade de Pix, pode realizar a contratação de serviços de BaaS exclusivos para integrar a funcionalidade Pix em suas contas de pagamento já abertas e em funcionamento.
  • Iniciador de Transações de Pagamento: uma empresa quer passar a permitir a realização de pagamentos através do seu aplicativo de mensagens, para tanto, contrata o serviço de BaaS, que integra sua tecnologia para que os usuários da empresa iniciem transações de pagamento sem sair do referido aplicativo.

 

 

A partir disso, é possível perceber que os serviços de BaaS permitem a realização de diversos serviços diferentes, de diversas formas, aumentando a gama de possibilidades para novos entrantes, inclusive para a partir de tais operacionalizações, trazer inovações ao mercado.

 

Quais os cuidados jurídicos que o contratante de BaaS deverá ter?

O objetivo da contratação do BaaS é desburocratizar o processo de oferecimento de serviços financeiros e/ou de pagamentos para novos participantes do mercado, seja do ponto de vista tecnológico, quanto do ponto de vista regulamentar. 

Embora essa facilitação seja evidente, ainda assim, existem cuidados jurídicos que os contratantes de BaaS devem estar atentos para garantir o bom relacionamento com o fornecedor deste serviço mediante o cumprimento das obrigações contratuais, considerando que será o principal fornecedor do contratante, pois será aquele que permitirá a operacionalização do serviço.

Contudo, além disso, tais cuidados jurídicos visam mitigar riscos relacionados ao negócio, como riscos relacionados à relação de consumo perante os usuários, manutenção dos serviços de tecnologia, assim como, riscos relacionados à regularidade da sua operação, principalmente, pensando em, no futuro, passar a operar de forma direta, como instituição regulada pelo Banco Central do Brasil, deixando de depender do fornecedor do BaaS.

Para tanto, abaixo trazemos os principais pontos de atenção para a empresa ou para o seu departamento jurídico avaliar antes de prosseguir com a contratação do BaaS:

  • Regularidade do Fornecedor: para garantir a regularidade das suas operações e evitar riscos futuros relacionados à continuidade do seu negócio, um dos pontos mais importantes que deve ser avaliado quando da escolha do fornecedor ou durante a negociação é a sua conformidade perante o Banco Central do Brasil. Nesse sentido, recomenda-se avaliar a existência de autorização de funcionamento perante o referido órgão regulador, assim como, a modalidade de instituição em que o fornecedor está autorizado, para verificar se a autorização permite que o fornecedor forneça os serviços que está ofertando.
  • Base de Clientes: em razão da natureza dos serviços prestados e exigências regulatórias aplicáveis ao fornecedor, este deverá deter acesso aos dados da base de clientes do contratante. Em razão disso, recomenda-se que se avalie durante a negociação contratual a existência de cláusulas protetivas à base de clientes do contratante, garantindo que esta não será afetada ou não será utilizada para outros fins além da execução do contrato sem a autorização prévia do contratante.
  • Obrigações contratuais de compliance: os serviços de pagamento e financeiros são atividades reguladas pelo Banco Central do Brasil, que gera obrigações de conformidade a serem cumpridas pelo fornecedor do BaaS. Portanto, mesmo que a atividade a ser executada pelo contratante não seja diretamente regulada, determinadas informações deverão ser reportadas pelo fornecedor ao Banco Central do Brasil, assim como, determinados atos deverão ser realizados pelo ofertante dos serviços financeiros e de pagamentos conforme exigidos pelo referido órgão regulador. 

Por conta disso, o fornecedor poderá exigir contratualmente determinadas obrigações que deverão ser adotadas pelo contratante, como por exemplo, implementação de Política de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo nos termos do exigido pelas normas do Banco Central do Brasil, entre outras, que visam garantir a conformidade das atividades pelo fornecedor, através da atuação do contratante, visto que diversas vezes o fornecedor não deterá contato direto com os usuários.

 

 

  • Instrumentos Contratuais a serem firmados com os usuários: sob este aspecto, é importante esclarecer ao usuário que os serviços financeiros ou de pagamentos são fornecidos pelo contratante através de um fornecedor contratado para tanto, para evitar dúvidas caso em algum instrumento ou comprovante de pagamento, apareça a denominação social do fornecedor como instituição responsável por executar tal serviço (exemplo, em um comprovante de pagamento de envio de transferência por terceiro, aparece que o pagamento executado ao usuário teve como instituição destinatária o fornecedor do BaaS e não o contratante). 

Isso servirá para mitigar riscos relacionados à reclamações que podem ser apresentadas através de plataformas (a título de exemplo, Reclame Aqui!), mediante contato direto com o fornecedor ou até para a ouvidoria do Banco Central do Brasil – neste último caso, o próprio fornecedor deverá responder e dar o tratamento à reclamação, o que pode gerar potenciais impactos no relacionamento do fornecedor com o reclamante.

Além das reclamações, eventuais não esclarecimentos podem ensejar em processos judiciais pelo usuário frente ao contratante ou até ao fornecedor.

 

Quais as vantagens e desvantagens de contratar o serviço?

Como todo serviço e estruturas de modelo de negócio, existem vantagens e desvantagens atreladas ao BaaS, que devem ser consideradas pelo contratante antes de formalizar a contratação.

A título de vantagem, podemos citar a facilitação para o oferecimento de serviços financeiros ou de pagamentos por empresas que não tem tais atividades como core ou que pretendem ingressar no mercado, mas não possuem a estrutura necessária.

É notório que instituições que ofertam serviços de pagamentos ou financeiros, em sua grande maioria, necessitam de autorização prévia de funcionamento perante o Banco Central do Brasil, sendo certo que a duração do processo de autorização é de, em média, um a 2 dois anos.

Além disso, uma vez regulada, existem diversas regras regulatórias que devem ser cumpridas, exigindo um arcabouço de normas internas de compliance robusto, assim como implementação de processos que visem a conformidade com tais normas, sob pena de sanções administrativas relevantes a serem aplicadas tanto à instituição, quanto aos seus diretores.

Sendo assim, o serviço de BaaS permite que uma empresa execute atividades reguladas, sem que seja necessário se regularizar perante o órgão regulador e sem precisar cumprir a grande quantidade de exigências aplicáveis às instituições financeiras e de pagamentos, exceto aquelas exigidas contratualmente pelo fornecedor. Além disso, a depender do serviço de BaaS contratado, não há necessidade de desenvolver as tecnologias necessárias para a execução deste serviço, novamente, facilitando o processo de início de suas atividades.

A partir disso, o serviço de BaaS permite a fidelização dos seus clientes, visto que permitirá a oferta de produtos e serviços financeiros ou de pagamentos de forma a agregar a experiência do usuário dentro da plataforma já oferecida pela empresa, em caso de empresas que não sejam do segmento do mercado financeiro, ou gerar a aquisição e fidelização de novos clientes, mediante a agregação de funcionalidades diversas para uma conta digital, por exemplo.

No que concerne às desvantagens, embora pareçam pequenas frente às grandes vantagens desse modelo de negócios, devem ser consideradas. Como principais pontos, podemos citar: (i) custo; (ii) exposição da base de clientes; e (iii) dependência do fornecedor.

Por se tratar de um serviço que promete uma oferta integral de serviços, a depender do serviço de BaaS de interesse, este pode ser muito custoso para a implementação das tecnologias e para posterior manutenção mensal da oferta deste serviço. Portanto, embora permita iniciar as atividades de forma facilitada, demandará investimento relevante, tanto quanto ao pagamento da remuneração do fornecedor, quanto em relação à contratação de colaboradores para executar todas as exigências necessárias para a operacionalização do serviço.

No mais, vimos que é necessário compartilhar os dados dos usuários do contratante para que o fornecedor operacionalize seus serviços financeiros e de pagamentos, o que gera uma exposição para o que pode ser entendido, inclusive, como um concorrente. Sendo assim, a exposição da base de clientes é um risco atrelado à utilização do serviço de BaaS, que deverá ser bem negociado quando da formalização da contratação.

Por fim, é importante destacar que o contratante estará integralmente dependente deste fornecedor para executar este serviço, de forma que é de extrema importância garantir o bom relacionamento e a conformidade com as exigências contratuais. Nesta mesma linha, em razão de tal dependência, se perde a margem de negociação para exigir o cumprimento de determinadas obrigações contratuais pelo próprio fornecedor, assim como, qualquer impacto à operacionalização dos serviços do fornecedor, alcançará a operação do contratante imediatamente.

Tendo esclarecido o que é o serviço de BaaS, seu funcionamento e principais características, é possível concluir que é uma ótima opção para iniciar suas atividades no mercado de pagamentos e/ou financeiro, mesmo que, no futuro, se pretenda buscar as autorizações necessárias para operar de forma independente perante o órgão regulador.

Para blindar-se das desvantagens relacionadas à estrutura do serviço de BaaS, basta realizar uma boa análise e negociação contratual com o fornecedor, assim como, implementar processos internos que permitam a conformidade com as obrigações contratuais, principalmente relativas ao compliance.

Se quiser saber mais sobre a contratação de serviço de BaaS ou precisar de auxílio na implementação deste serviço, a equipe do Silva Lopes Advogados pode te ajudar!

*Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados, Euzébio é sócio e diretor comercial e Mallet é integrante do time do escritório.