Direito do anonimato e dever com as autoridades Direito do anonimato e dever com as autoridades

Direito do anonimato e dever com as autoridades

Receita Federal obriga exchanges informar mensalmente transações com criptomoedas

Por Leonardo Schmitz e Layon Lopes*

Neste ano, a Receita Federal tem se dedicado a disciplinar e criar obrigações relativas aos chamados criptoativos. Estes também são conhecidos como criptomoedas e prometem vantagens como liberdade de pagamento, menores taxas, segurança e privacidade sobre as transações. No entanto, a instrução nº 1.888/2019 da Receita Federal pode ser um obstáculo para alguns dos propósitos destes ativos.

Assim, a partir de 1º de agosto as pessoas físicas e jurídicas, bem como as exchanges de criptoativos (pessoa jurídica que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos) estão obrigadas a, mensalmente, prestar informações detalhadas à Receita Federal sobre as operações com criptoativos que efetuar.

Antes de aprofundar no tema, cabe esclarecer o motivo pelo qual não deveríamos denominar estes criptoativos como criptomoedas. Neste sentido, o Banco Central do Brasil ressalta que são diversas as razões pelas quais estes ativos não podem ser considerados moedas: “não são emitidas nem garantidas por qualquer autoridade monetária, por isso não têm garantia de conversão para moedas soberanas, e tampouco são lastreadas em ativo real de qualquer espécie, ficando todo o risco com os detentores. Seu valor decorre exclusivamente da confiança conferida pelos indivíduos ao seu emissor”.

Outrossim, nos termos da legislação vigente no país, Constituição Federal/1988, a competência para emitir moeda é exclusivamente da União via Banco Central.

Desse modo, estes ativos virtuais, tais como, mas não se limitando a bitcoin, ethereum e ripple são considerados como criptoativos e não moedas.

Por meio da tecnologia utilizada para operacionalizar as transações realizadas com os criptoativos, é possível que estas sejam feitas de maneira, praticamente, anônima. Isto tornou o ativo extremamente atraente para os que desejam maior privacidade, haja vista que o ambiente digital possui capacidade quase ilimitada de monitorar e rastrear os usuários.

Todavia, parece que uma das principais vantagens, até então, trazidas por ativos como bitcoin e ethereum, qual seja, a maior privacidade sobre as transações tradicionais, foi posta à prova.

Isto porque, a partir de Instrução da Receita Federal, as pessoas físicas ou jurídicas, bem como as exchanges (como plataformas eletrônicas que auxiliam na intermediação de operações envolvendo estes ativos) possuem obrigatoriedade de prestarem informações à Receita Federal. O que inclui informações sobre a titularidade das pessoas físicas e jurídicas, que realizaram operações com criptoativos, sempre que o valor mensal das transações ultrapassar R$ 30.000,00.

A preocupação das autoridades nacionais em rastrear estas informações, ao que tudo indica, se dá em virtude dos riscos existentes para os usuários e investidores.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançou alerta sobre estes riscos, apontando para as seguintes questões: possibilidade de fraudes e pirâmides financeiras, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, falta de liquidez.

Cabe ainda mencionar que a medida visa também a tributação dos ganhos auferidos, através destas operações. De forma que será aplicada multa pelo atraso na declaração mensal do contribuinte.

Muitos irresignados com tais medidas, suscitaram a aplicação da LGPD (Lei nº 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) para fundamentar o seu direito à privacidade e a autodeterminação informativa.

Afinal, por estes argumentos as exchanges, conceituadas como sujeito controlador pela LGPD, ou seja, pessoa jurídica a quem compete as decisões de tratamento de dados como: coleta, transmissão e transferência de dados, não estariam autorizadas a fornecer estas informações do usuário ao fisco sem o devido consentimento do sujeito titular dos dados.

Na grande maioria dos casos, operações de tratamento de dados só poderão ser realizadas mediante este consentimento do titular.

Entretanto, conforme é previsto no própria texto legal da Lei nº 13.709/2018, o controlador – neste cenário as exchanges – estão dispensados de obter o consentimento do usuário, quando estiverem realizando tratamento de dados para finalidade de cumprimento de obrigação legal.

Em outras palavras, as exchanges não estão violando qualquer direito à privacidade ou proteção de dados do usuário ao fornecerem estas informações para a Receita Federal.

Feitas tais considerações, resta claro que um dos principais diferenciais das denominadas criptomoedas, resta abalado, após a Instrução Normativa da Receita Federal. Isso em razão do dever de informação sobre as operações realizadas com criptoativos ao Fisco e, consequentemente, a redução significativa da privacidade e anonimato sobre as transações.

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*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Schmitz é integrante da equipe do escritório.