Por João Paulo Fontoura, Lucas Euzébio e Layon Lopes*
Nos últimos anos, devido ao cenário do mercado externo, houve um maior apetite do mercado de investimento em aportar seus recursos em startups localizadas em países fora do eixo já bem desenvolvido, principalmente Estados Unidos da América (EUA) e Europa Ocidental. Dentre os países destinatários de tais investimentos foram os mercados emergentes, inclusive na América Latina.
Tal cenário fez com que, nos últimos anos, houvesse um grande fluxo financeiros proveniente de Corporate Venture Capital estrangeiros com destino ao Brasil e suas startups. Isto é, o mercado brasileiro de tecnologia e inovação estava mais atrativo para recebimento de investimento estrangeiro. Fator que acabou refletindo em um grande fluxo financeiro de investidores estrangeiros para realizar aportes em startups brasileiras em suas primeiras rodadas de investimentos e até mesmo em operações maiores, tais como IPO, aquisição total ou parcial e inclusive operações de M&A.
Neste contexto, a sua empresa deve estar atenta à possibilidade de recebimento de investimento não através de um veículo nacional (como é mais comum de acontecer), mas sim via um veículo estrangeiro. Isto é, o investidor fora do País aporta diretamente o valor investido em seu negócio.
Esta abertura ao mercado externo pode ampliar ainda mais as suas chances de captar recursos e iniciar uma nova rodada de investimento em sua startup, já que não estará limitado apenas ao mercado brasileiro, mas sim aberto ao mercado global private equity ou venture capital.
Caso surja uma oportunidade como esta, você está preparado para percorrer esta jornada? Você sabe como receber investimento estrangeiro em sua startup?
O que é Investimento Estrangeiro Direto?
O Investimento Estrangeiro Direto (IED) é, em linhas gerais, a movimentação de capitais internacionais para propósitos específicos de investimento. Isto ocorre quando empresas ou indivíduos (isto é, tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas) no exterior criam, adquirem ou investem em operações em outro país diverso de seu país de origem. O IED engloba aquisições, construção de novas instalações, reinvestimento de lucros auferidos em operações no exterior e empréstimos intercompany (entre empresas do mesmo grupo econômico), inclusive investimento em startups.
Como fazer o ingresso do capital decorrente do investimento estrangeiro no Brasil?
Desde já, importante ter em mente que o Brasil oferece ao capital de origem estrangeira o mesmo tratamento jurídico concedido ao capital nacional, sendo vedada toda discriminação não prevista em norma legal. Esse princípio foi consagrado pela lei nº 4.131/62. Esta é a mesma lei que cria o Banco Central do Brasil (Bacen).
A autarquia tem como uma de suas missões institucionais a de assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda brasileira. Neste sentido, a regulamentação dos fluxos de capitais estrangeiros é de sua competência, assim como a gestação das reservas de divisas.
O Bacen desempenha um papel essencial em um país como o Brasil, com histórico recente de hiperinflação. Historicamente, o país passou por uma sucessão de planos econômicos e políticas monetárias a partir dos anos 1960, com a indexação dos preços e das taxas de câmbio, a criação de sete moedas sucessivas, bem como repetidas intervenções da autoridade monetária nas taxas de juros. Mesmo com todos estes percalços enfrentados pela economia brasileira desde os anos 1960, o Brasil conseguiu se tornar uma das maiores economias mundiais.
Em razão de sua história econômica, brevemente mencionada acima, e com a missão de resguardar a estabilidade da moeda brasileira, o Bacen exige que os investidores observem determinadas regras condicionantes à entrada de capital estrangeiro no país.
De acordo com a lei nº. 4.131/62, os capitais estrangeiros correspondem a todos “os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior”.
Ao mesmo tempo, não são todas as atividades econômicas que podem captar investimento estrangeiro. A participação de capital estrangeiro é vedada ou restrita nas seguintes atividades: desenvolvimento de atividades ligadas à energia nuclear; propriedade e gestão de jornais e de redes de rádio e televisão; serviços ligados à saúde, propriedade rural e seus negócios em zonas fronteiriças; serviços postais e telegráficos; atividades de aviação no território brasileiros; e ndústria aeroespacial.
Registro do capital estrangeiro perante o Banco Central
No Brasil, todo investimento e investidores estrangeiros devem estar registrados perante o Bacen O registro deve ser efetuado pela empresa que receberá o investimento ou pelo representante legal do investidor no Brasil.
Importante destacar que o investidor estrangeiro não precisa residir, tampouco constituir uma empresa no Brasil, para realizar o fluxo financeiro de capital de seu país de origem até a startup a que se destina.
O registro tanto do investidor quanto do valor a ser investido em startup no Brasil deve ser registrado perante o Bacen através do módulo RDE (Registro Declaratório Eletrônico), ferramenta da autoridade integrante do Sistema de Informações do Banco Central (Sisbacen).
Todas as partes envolvidas (investidor, representante do investidor e receptor do investimento, no caso a startup), devem estar previamente registradas no CADEMP (Cadastro de Pessoas Físicas e Jurídicas – Capitais Internacionais). O investidor estrangeiro deverá, adicionalmente, estar inscrito junto à Receita Federal do Brasil, para obter um número de CPF (se pessoa física) ou de CNPJ (se pessoa jurídica), que depende, neste último caso, do número de CADEMP.
Vale lembrar que o CPF ou CNPJ trata-se de uma inscrição perante a Receita Federal para fins tributários, não consistindo em aquisição de nacionalidade brasileira ou constituição de pessoa jurídica brasileira.
O RDE é essencial para a transferência dos dividendos para o exterior e para o repatriamento dos capitais. Este registro tem natureza declaratória, não sendo submetido a exame ou verificação preliminar por parte do Bacen. Isto é, a autoridade não verifica as informações declaradas no RDE.
Entretanto, a entrada de capitais externos sem o devido registro, ou a transmissão de falsas informações no RDE são passíveis de aplicação de multas e eventuais penalidades adicionais.
As duas formas mais praticadas de ingresso de capital estrangeiro no Brasil são: o investimento direito e o crédito externo.
Investimento direto
Em linhas gerais, o investimento direto consiste no aporte financeiro do investidor estrangeiro (não residente no Brasil), seja este uma pessoa física ou pessoa jurídica, por meio da participação societária direta na startup. Tal participação deve ser oriunda da titularidade de quotas ou ações no capital social da sociedade investida.
Desta forma, para aportar dinheiro ou bens ao capital social da startup e poder subscrever quotas emitidas pela empresa investida os aportes deverão ser enviados através de um estabelecimento bancário autorizado a realizar as operações de câmbio. O registro do investimento no módulo RDE-IED deverá ocorrer no prazo de 30 dias a contar da celebração do contrato de câmbio.
Sob aspecto tributário, o principal tributo incidente sobre o capital estrangeiro ingressante no país neste tipo de operação é o Imposto de Operações de Crédito, Câmbio e Seguros ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF), com alíquota de 0,38% sobre o valor do capital que ingressa no Brasil na transação.
Caso o investidor não residente ou não sediado no Brasil decida vender sua participação societária na startup objeto de seu investimento, o eventual ganho de capital desta venda de participação societária será submetido ao recolhimento obrigatório de Imposto de Renda (IR), à alíquota de 15%, podendo ser elevada para 25% para os casos de residentes ou sediados em paraísos fiscais, conforme normas da Receita Federal e do Bacen.
Crédito externo, empréstimo e mútuo
De acordo com a circular nº 3.689/13 do Bacen, os créditos externos correspondem ao “arrendamento mercantil financeiro externo (leasing), empréstimo externo, captado de forma direta ou por meio da colocação de títulos, recebimento antecipado de exportação e financiamento externo”. Nos contratos de empréstimo externo, estão abarcados os contratos de mútuo conversível, que são bastante praticados no mercado de startups. Neste tipo de contrato, em poucas palavras, o investidor empresta determinado valor para a startup, a qual poderá pagá-lo no futuro em dinheiro ou em participação societária emitida pela empresa. Neste segundo caso, o investidor torna-se sócio do negócio.
Por seu turno, o registro das operações acima listadas se opera por meio do módulo RDE – ROF (Registro Declaratório Eletrônico – Registro de Operação Financeira) do Sisbacen. Tal registro deve ocorrer de maneira prévia ao recebimento do investimento pela startup.
Sob o aspecto tributário, as operações de câmbio ligadas ao fluxo de crédito externo são igualmente submetidas ao recolhimento de IOF. Por fim, os juros pagos ao investidor/credor são submetidos ao IR na alíquota de 15%, recolhido diretamente na fonte.
Neste contexto, antes de se realizar um aumento de capital social startup ou recebimento de empréstimo financeiro via investimento estrangeiro em sua empresa é fundamental estar bem orientado por assessores jurídicos especializados a fim de mapear as necessidades particulares do negócio, como custo e benefício da operação e o planejamento de qual estratégia adotar ao caso concreto, a fim de mitigar eventuais conflitos e inseguranças sejam perante a Receita Federal seja perante o Bacen.
Dúvidas? A equipe do Silva Lopes Advogados pode te ajudar!
* Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados, Fontoura e Euzébio são integrantes do time do escritório.