No início de agosto deste ano, foi publicada a Lei nº 14.430/22, conhecida como o Marco Legal da Securitização. No texto, foram criadas possibilidades relacionadas à captação de recursos para empresas, através da extensão das opções de emissão de Certificado de Recebíveis (CR) para empresas em geral, e trouxe inovações voltadas à segurança dos investidores que investem nestes valores mobiliários.
Você sabe como funciona o processo de securitização e quais as novidades trazidas pelo Marco Legal da Securitização? É o que veremos a seguir.
Conheça o processo de Securitização
O processo de securitização de direitos creditórios envolve a cessão de recebíveis de empresas, como contratos de longo prazo, duplicatas, empréstimos, financiamentos, entre outros, com deságio, para sociedades securitizadoras, possibilitando a antecipação deste recebível à empresa que o está cedendo e a conversão deste direito creditório em valor mobiliário para negociação com terceiros.
Na prática, a securitização funciona da seguinte forma:
- Empresa emite duplicata mercantil para recebimento de R$ 500.000,00 em 24 meses;
- Com vistas de receber a remuneração oriunda da duplicata mercantil na sequência da sua emissão e não precisar aguardar os 24 meses, realiza a cessão da duplicata mercantil para a sociedade securitizadora pelo valor de R$ 400.000,00 – deságio;
- A sociedade securitizadora, interessada na operação de investimento, realiza a aquisição da duplicata mercantil com deságio, tornando-se a credora do crédito de R$ 500.000,00 em 24 meses, possuindo previsão de lucro de R$ 100.000,00 nesta operação, sendo a diferença do valor previsto na duplicata mercantil e o valor pago para adquiri-la;
- Para possibilitar a negociação desta duplicata mercantil com terceiros, a sociedade securitizadora realiza a securitização da duplicata mercantil, que se refere ao processo de transformação do direito creditório em um valor mobiliário.
Anteriormente ao Marco Legal da Securitização, o processo de securitização previa a transformação dos direitos creditórios nos seguintes principais títulos de securitização:
- Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI)– se refere a um instrumento de captação de recurso voltado ao financiamento de transações no mercado imobiliário com lastro em créditos imobiliários, como por exemplo, financiamento residencial ou de construções;
- Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) – se refere a instrumento de captação de recursos para financiar operações agropecuárias, com lastro em créditos oriundos da produção de produtores rurais e cooperativas agrícolas, como por exemplo, vendas de safras de produtos agrícolas;
- Debênture – se refere ao título de dívida emitido pela empresa que pretende captar recursos, gerando um direito de crédito ao investidor, em razão da remuneração prevista no título, que, usualmente, se trata de aplicação de juros remuneratórios.
Também, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) possuem um papel importante na securitização de direitos creditórios ao realizar a sua aquisição, securitizá-los e mantê-los em seu patrimônio, possibilitando a participação dos investidores no recebimento dos rendimentos oriundos deste direito creditório, através da venda das cotas do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios aos investidores.
A partir disso, é possível observar que a securitização de direitos creditórios era limitada aos mercados imobiliários e do agronegócio, assim como, às empresas que possuíam expectativa de crescimento financeiro para realizar o pagamento da dívida oriunda da Debênture.
Quais são as inovações regulatórias?
Em dezembro de 2021, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu a Resolução CVM nº 60, que dispõe sobre as companhias securitizadoras de direitos creditórios registradas na CVM e determina o registro das securitizadoras que realizem operações de emissão de títulos de securitização para oferta pública, ou seja, para terceiros incertos. Ainda, manteve sem obrigatoriedade de registro perante a CVM as securitizadoras que realizam a emissão de títulos de securitização para oferta privada, ou seja, visando a negociação com a pessoa certa. Além das determinações relacionadas ao registro das companhias securitizadoras, também há diversas disposições relativas às regras de funcionamento.
A Resolução CVM nº 60/21 entrou em vigor em maio de 2022 e ficou conhecida como o Marco Regulatório da Securitização, tendo Marcelo Barbosa, presidente da CVM, se manifestado indicando o objetivo da publicação desta nova resolução e suas vantagens para o mercado:
“Com esse marco regulatório dedicado à indústria de securitização, a CVM fortalece a participação do mercado de capitais no financiamento do crédito nacional, o que alcança as fintechs, assim colaborando para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil, sem descuidar da proteção do público investidor.”
Inovação Legislativa
Em março de 2022 foi emitida a Medida Provisória nº 1.103, que dispunha sobre a emissão de Letra de Risco de Seguro por meio de Sociedade Seguradora de Propósito Específico, as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de Certificados de Recebíveis, e a flexibilização do requisito de instituição financeira para a prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários.
O intuito da Medida Provisória nº 1.103/22, segundo seu sumário executivo, era modificar e consolidar a legislação relativa às operações de securitização, ampliando as modalidades de crédito que antes se restringiam às atividades imobiliárias e agrícolas, e ao funcionamento das sociedades securitizadoras.
Em sequência ao processo legislativo, a Medida Provisória nº 1.103/22 foi convertida na Lei Ordinária nº 14.430/22, conhecida como o Marco Legal da Securitização, que foi sancionada apenas com vetos relativos à atuação das corretoras de seguros, que constava no âmbito da criação da Letra de Risco de Seguro.
O veto pelo Presidente da República ainda será objeto de análise e deliberação pelo Congresso Nacional.
Abaixo trazemos considerações sobre as principais inovações trazidas pelo Marco Legal da Securitização:
Sociedade Seguradora de Propósito Específico e Letra de Risco de Seguro
O Marco Legal da Securitização criou o instituto da Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE), que deterá o objetivo exclusivo de realizar operações de aceitação de risco de seguro, previdência complementar, saúde suplementar, resseguro ou retrocessão, através do seu financiamento mediante a emissão de Letra de Risco de Seguro, título de dívida vinculado aos seguros e resseguros.
O seu objetivo é que através da Letra de Risco de Seguro (LRS), seja realizada a transferência do risco para a SSPE e seja possível captar recursos relacionados à garantia aos riscos das operações de seguro acima mencionadas emitidas por sociedade seguradora, ressegurador, entidade de previdência complementar, operadora de saúde suplementar, ou pessoa jurídica, de natureza pública ou privada, sediada ou não no País, que cede riscos de seguros e resseguros à SSPE.
Ainda, cada operação de risco de seguro deverá ser tratada como independente patrimonialmente, ou seja, não poderá ser utilizada para adimplir obrigações da SSPE ou de demais operações de risco de seguro realizadas pela SSPE através da emissão de Letras de Risco de Seguro.
A criação deste novo título de crédito, permite que o mercado de seguros se vincule ao mercado de valores mobiliários e traga maior pulverização dos riscos oriundos das operações de seguros.
A partir desta legislação, serão originadas a edição de normas regulatórias específicas para sua viabilização pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), Superintendência dos Seguros Privados (Susep) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), este último no que concerne à emissão e oferta pública das Letras de Risco de Seguro.
Securitização de Direitos Creditórios e Emissão de Certificados de Recebíveis
O Marco Legal da Securitização criou o conceito de operação de securitização, definindo como “a aquisição de direitos creditórios para lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários perante investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios e dos demais bens, direitos e garantias que o lastreiam”. Em conjunto, também definiu as companhias securitizadoras como “instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações que têm por finalidade realizar operações de securitização”.
Também, trouxe definição relativa aos Certificados de Recebíveis ao indicar que “são títulos de crédito nominativos, emitidos de forma escritural, de emissão exclusiva de companhia securitizadora, de livre negociação, constituem promessa de pagamento em dinheiro, preservada a possibilidade de dação em pagamento, e são títulos executivos extrajudiciais”.
Contudo, a grande novidade veio na ampliação dos direitos creditórios que podem ser objeto de lastro de Certificados de Recebíveis, trazendo a possibilidade de que demais operações sejam utilizadas para lastro, possibilitando a captação de recursos por empresas que não tinham previsão de capital necessária para realizar a emissão de debêntures, por exemplo, e que não estavam dentre os mercados imobiliário e agrícola a que antes estavam limitados.
A partir disso, as principais disposições das Leis nº 9.514/97, relativa aos Certificados de Recebíveis Imobiliários, e nº 11.076/04, relativa aos Certificados de Recebíveis do Agronegócio, foram revogadas, mantendo-se a sua definição, de forma que para tais títulos deverão ser observadas as novas regras emitidas pelo Marco Legal da Securitização.
Vale ressaltar que os Certificados de Recebíveis emitidos com o intuito de serem ofertados publicamente serão considerados valores mobiliários, de forma que estarão sob o escopo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), devendo serem observadas as regras específicas relacionadas à oferta pública de valores mobiliários emitidas.
Sobre este tema, destacamos as principais inovações:
Regime Fiduciário – o Marco Legal da Securitização dispôs sobre a extensão de instituição de regime fiduciário pelas companhias securitizadoras também para os Certificados de Recebíveis genéricos, permitindo a segregação dos patrimônios relacionados aos direitos creditórios que são lastro dos Certificados de Recebíveis das demais operações e patrimônio da companhia securitizadora, inclusive em relação a passivos fiscais, previdenciários e trabalhistas. Previamente ao Marco Legal da Securitização, apenas os Certificados de Recebíveis Imobiliários e de Agronegócios poderiam se submeter ao regime fiduciário, de forma que os demais títulos de securitização não podem ser objeto deste regime.
Reabertura de Emissão para Complementação do Lastro – estando expresso no termo de securitização, criou-se a possibilidade de complementação do lastro dos Certificados de recebíveis, através da aquisição e securitização de novos direitos creditórios para vinculação, possibilitando a mitigação do risco de insuficiência de ativos para pagamento aos investidores.
Revolvência – esta nova regra, antes apenas disponível para os Certificados de Recebíveis do Agronegócio, possibilita que a companhia securitizadora possa adquirir novos direitos creditórios para lastro, com o patrimônio recebido oriundo do pagamento dos demais direitos creditórios já vinculados ao Certificado de Recebível.
Chamadas de Capital – criou-se a possibilidade de companhias securitizadoras firmarem com investidores compromissos de subscrição e integralização de certificados de recebíveis, quando for necessário capital para a aquisição de novos direitos creditórios.
Dação em Pagamento – restou permitida, desde que esteja expresso no termo de securitização, a possibilidade de pagamento dos Certificados de Recebíveis mediante dação em pagamento de direitos creditórios lastreados, ou seja, na hipótese de insolvência da operação ou da companhia securitizadora, os investidores podem optar por receber pagamento diverso para quitação do direito creditório lastreado.
Variação Cambial – restou permitida que a correção monetária do Certificado de Recebível se dê por variação cambial, desde que emitido para investidor residente ou domiciliado no exterior.
Creditamento PIS/COFINS – na determinação da base de cálculo do PIS e da Cofins, poderão ser deduzidas as despesas de captação de recursos incorridas pelas companhias securitizadoras.
Flexibilização dos Requisitos para Prestação dos Serviços de Escrituração e Custódia de Valores Mobiliários
O Marco Legal da Securitização alterou o artigo 293 da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) para autorizar as bolsas de valores e outras entidades, que sejam instituições financeiras ou não financeiras, para realizar os seguintes serviços:
- escrituração e a guarda dos livros de registro e transferência de ações e a emissão dos certificados;
- escrituração de ações e de outros valores mobiliários;
- averbação do penhor, usufruto, fideicomisso, alienação fiduciária em garantia e quaisquer cláusulas ou ônus que gravarem a ação no respectivo instrumento nos livros da entidade que realizará o serviço de escrituração;
- custódia de ações fungíveis em que as ações de cada espécie e classe da companhia sejam recebidas em depósito como valores fungíveis, adquirindo a instituição depositária a propriedade fiduciária das ações;
- representação dos titulares de ações para receber dividendos e ações bonificadas e exercer direito de preferência para subscrição de ações;
- emissão de título representativo das ações que receberá em depósito;
- atuação no resgate e amortização de ações, quando assim for determinado em assembleia-geral da companhia; e,
- emissão de cédulas lastreadas em debêntures, com garantia própria.
Previamente à alteração trazida pelo Marco Legal da Securitização, apenas instituições financeiras poderiam prestar os serviços acima listados.
Em suma, o Marco Legal da Securitização trouxe inovações legislativas importantes para o mercado da securitização e para o mercado financeiro como um todo, ao ampliar a possibilidade de captação de recursos por demais empresas brasileiras, prever o ingresso do mercado de seguros no âmbito do mercado de investimentos, assim como, expandir às entidades autorizadas a prestar serviços de escrituração de valores mobiliários, cada vez mais exigido por companhias e pelo mercado de investimentos no âmbito de operações no mercado de valores mobiliários.
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*Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados, Chaves Barcellos é sócio e Mallet é integrante do time do escritório.