Por Lucas Euzébio e Layon Lopes*
Com o rápido avanço da covid-19, muitos negócios tradicionais tiveram que “pivotar” do dia para a noite. Especialmente os negócios que não possuem múltiplos canais de vendas, chamado de omnichannel, que nada mais é do que a estratégia de conteúdo, vendas e suporte ao cliente através de diversos pontos de contato de forma simultânea e interligada.
Nessa realidade, muitos negócios conseguiram se adaptar, agora de forma virtual. Em muitos casos, diminuindo brutalmente o seu custo fixo mensal com colaboradores ou espaço físico, dando uma falsa sensação de que a operação de venda online é mais fácil ou mais em conta. Porém, não se engane!
Grandes empresas não estão performando tão bem como gostariam, pois esbarraram em um mundo novo de conceitos que não são do dia a dia na venda 1.0, ou venda offline, como: SEO (search engine optimization), analytics de comportamento do usuário, mapas de calor no website, como reter e trazer tráfego do cliente ideal, entre outros.
Pensando nesta adaptabilidade repentina, preparamos algumas dicas jurídicas e pontos importantes que você deve se atentar ao iniciar a sua jornada na venda online.
Inicialmente, vale uma distinção importante entre e-commerce e marketplace, palavras muitas vezes utilizadas como sinônimos, mas que trazem conceitos bem diferentes na prática.
E-commerce: Um e-commerce nada mais é do que um comércio eletrônico, quando você monta uma loja online e procura canais de vendas já consolidados, com visibilidade e autoridade na internet, como o Mercado Livre, por exemplo.
Marketplace: Seguindo o exemplo acima, o marketplace é o Mercado Livre em si! Ele funciona como uma espécie de “shopping online”, pois age como uma plataforma que reúne vários vendedores no mesmo lugar, como Rappi, Ifood, entre outras plataformas essencialmente de “anúncios” de outros fornecedores externos/lojas virtuais.
Listamos sete cuidados jurídicos e boas práticas que são seguidas no dia a dia de um e-commerce ou marketplace. Confira:
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Saiba quem você é na cadeia de consumo (?) como assim?
O consumidor é fácil: é a pessoa física ou jurídica que utiliza o serviço ou produto como destinatário final.
Fornecedor: Quem desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Comerciante: Nesse nosso artigo, é você! Quem comercializa os produtos ou serviços do fornecedor, que muitas vezes é o próprio fabricante, construtor ou importador de produto estrangeiro.
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Garanta os direitos básicos do consumidor em sua plataforma:
Sendo a venda através de plataforma online ou física, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) elenca alguns direitos básicos do consumidor em seu art. 6º, como proteção à vida, saúde, educação, divulgação sobre as características do produto ou serviço de forma específica, sua composição, qualidade, e também os riscos que determinado produto ou serviço apresenta.
Nessa previsão, o que mais acontece na prática de mercado é a ausência de informações específicas ou riscos do produto e serviço, exemplo: Possuo um restaurante e faço venda online, mas não informo sobre meus ingredientes e um consumidor compra por engano uma comida que contenha alguma substância que o mesmo é alérgico ou intolerante. Neste caso, houve a violação do direito de informação do consumidor, o que pode resultar em um dano ou risco a sua saúde. O art. 8º do CDC trata da proteção à saúde e segurança do consumidor de forma bem objetiva.
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Não se esqueça das pessoas com alguma deficiência:
A Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), alterou uma disposição no artigo 6º do CDC, indicando que a pessoa com deficiência possui o mesmo direito de acesso à informação citada acima, como características do produto ou serviço, sua composição, riscos que apresentem, etc. Logo, seu negócio ou de seus parceiros precisará estar adaptado para atender e garantir esta previsão, sob pena de responsabilização, tópico que veremos neste artigo.
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Proteja os dados pessoais de seus clientes ou terceiros:
O STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu recentemente o direito fundamental à proteção de dados pessoais, em consonância com Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, Lei nº 13.709/2018). Ou seja, tenha bem definido em seus termos de uso e política de privacidade o consentimento de uso destes dados, deixe claro sua finalidade, informe com quem você irá compartilhar esses dados e o motivo. Esses são só alguns pontos importantes nesta dica, lembrando que a LGPD é muito mais ampla e principiológica, determinando, em muitos casos, a responsabilidade solidária, ou seja, de você responder por alguma ausência de proteção nos dados pessoais em toda a cadeia. Um exemplo: Você apenas faz o tratamento dos dados, mas não armazena. Se o armazenador não tiver políticas de proteção bem definidas, você corre o risco de responder por danos causados ao usuário. Observação: Procure um bom advogado na hora de confeccionar seus termos de uso, política de privacidade e adequação à Lei Geral de Proteção de Dados.
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Entenda o básico sobre a sua responsabilidade civil em caso de algum dano:
O art. 13 do CDC é expresso ao determinar que o comerciante é “igualmente responsável” em algumas hipóteses, como: Impossibilidade de identificação/localização do fabricante ou importador, o produto fornecido não tiver identificação clara de seu fabricante ou ainda a não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Em outras palavras, possua todos os registros de seus fornecedores, fabricantes e importadores organizados e arquivados em local seguro, como termos e contratos comerciais, verificando sempre a qualificação deste fornecedor ou fabricante, especialmente se o mesmo possui representante legal no Brasil em caso de produto estrangeiro.
Importante salientar que a responsabilidade civil é matéria específica, e deve ser analisada caso a caso, bem como o ônus de provar a sua não responsabilidade na cadeia de consumo. Por isso, procure uma assessoria jurídica antes de informar o consumidor ou parceiro comercial, sob pena de assumir alguma responsabilidade que inicialmente não era sua.
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Crie sua política de vendas e regras para vendedores e compradores:
No mesmo sentido da dica número cinco, não basta apenas entender seu papel na cadeia de consumo e sua responsabilidade.
Estruture sua política interna de vendas para seus vendedores e compradores. Estabeleça e deixe claro (direito de informação) quais as regras para vender em sua plataforma, de quem é a responsabilidade em cada caso, como funcionará a devolução de algum produto, qual o prazo legal para o consumidor fazer isso, o que acontece se não fizer ? tenha uma espécie de “FAQ” (frequently asked questions) para ambos.
e não menos importante…
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O consumidor não é apenas para quem você vendeu o produto ou serviço! (?)
Sim! o art. 17 do CDC é claro ao definir que se equipara a consumidor toda a vítima do evento que ocasione responsabilidade pelo fato do produto, ou seja, em caso de produto ou serviço defeituoso, ausência de informações suficientes ou inadequadas sobre a utilização do produto ou serviço e riscos do mesmo.
Exemplo: Vendi um aparelho secador de cabelo e não informei a voltagem correta ou que o mesmo não é a prova d’água e não deve ser usado em ambientes úmidos. Nesse exemplo, comprei o aparelho, mas era um presente para alguém. Se essa pessoa vier a sofrer algum dano, ela será equiparada a consumidor, pois foi vítima deste evento.
Abrir um e-commerce ou um marketplace deve ser uma escolha pautada na sustentabilidade e mitigação de riscos, por isso preparamos as dicas acima, a fim de auxiliar você nessa jornada com novos desafios!
Existem vários pontos jurídicos relevantes no lifetime de um marketplace ou e-commerce, por isso, se você gostou desse artigo, nos mande suas dúvidas ou feedbacks.
Por fim, lembre-se: Procure sempre uma assessoria especializada e acostumada a trabalhar com empresas de base tecnológica na hora de entender e mitigar os riscos de seu negócio.
*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Euzébio é integrante da equipe do escritório.