Por João Benz e Layon Lopes*
Ao tratarmos de todos os trâmites jurídicos necessários para a concretização de uma operação de M&A, a exemplo da aquisição de uma empresa, é de praxe que ocorra a realização de um rigoroso e necessário processo de auditoria dos documentos, dados e demais informações da empresa que será objeto da operação. Este processo é chamado de due diligence jurídica.
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Papel dos sócios da empresa vendedora
Fase pré-compra: os deveres de diligência e sigilo dos sócios da potencial vendedora
Fase Pós-Compra: O papel e os deveres dos sócios da empresa vendedora
O principal objetivo desta due diligence será apontar os principais riscos jurídicos e eventuais prejuízos que a potencial compradora assumirá, caso deseje formalizar a operação de compra pretendida. Como é sabido, o resultado da due diligence influencia diretamente o preço de aquisição, podendo reduzir o valor a ser pago em caso de conclusão da operação de compra e venda e, até mesmo, pode resultar na desistência da transação.
Papel dos sócios da empresa vendedora
Seja antes, durante ou após este processo, os sócios da potencial empresa vendedora também possuem um papel fundamental de apoio operacional e diligência que, em última análise, possui um potencial significativo para corroborar e até mesmo definir o sucesso ou insucesso da operação de M&A.
Muito mais do que apenas auxiliar na entrega da documentação necessária para o processo de due diligence, os sócios da empresa que potencialmente será adquirida devem se comprometer com uma série de obrigações dispostas em contrato, a fim de colaborar com o sucesso da compra e da fase pós-compra, garantindo que a operação da empresa adquirida não sofra efeitos da operação de M&A realizada.
Fase pré-compra em um M&A: os deveres de diligência e sigilo dos sócios da potencial vendedora
Durante o mencionado processo de due diligence, é esperado que os sócios da empresa potencialmente vendedora trabalhem de forma leal e transparente no atendimento das solicitações recebidas, garantindo que todas as informações, dados e documentos relevantes sejam divulgados aos potenciais compradores. Em outras palavras, é de integral responsabilidade dos sócios agir de maneira ética e responsável no processo de due diligence, garantindo que todos os interesses sejam protegidos e que a transação seja concluída de forma equitativa para todas as partes envolvidas. Eventuais problemas posteriores, sejam de ordem jurídica, financeira ou contábil, causados pela ausência de informações repassadas pelos sócios durante a fase de due diligence, pode acarretar a obrigatoriedade do pagamento de indenizações.
A inobservância deste dever de diligência pode significar diversos prejuízos para os sócios e para a própria empresa. Além de danos de imagem, que, porventura, podem significar a quebra de confiança não apenas do potencial comprador, mas de clientes e fornecedores, os sócios podem responder legalmente por prejuízos causados pela ausência do dever de diligência no processo de due diligencie.
É prática de mercado, inclusive, que no contrato de compra e venda da empresa (conhecido como “Shareholder Purchase Agreement – SPA”), esteja expressamente previsto uma cláusula de responsabilidade pessoal dos sócios da vendedora, até mesmo contendo uma penalidade de multa para tal hipótese, sem prejuízo de que os sócios respondam por outras perdas e danos ocasionados.
Nesta hipótese, caso os sócios não apresentem, durante a fase de due diligence, documento ou informação relevante que venha a causar prejuízos ao comprador em potencial, há a figura da cláusula de isenção de responsabilidade no contrato de compra e venda. Com a adição desta cláusula, o comprador fica imune aos efeitos causados por eventual não apresentação de informação relevante.
Tão importante quanto o dever de diligência, os sócios também devem cumprir com o dever de sigilo. Vale frisar que, muitas vezes, as operações de M&A exigem um considerável grau de sigilo, por se tratar de operações estratégicas para ambas as empresas (potencial compradora e potencial vendedora). Neste sentido, muitas vezes, a obrigação de sigilo já é imposta desde o primeiro documento assinado entre as partes, a fim de se evitar desalinhamentos e duplas interpretações sobre quais informações são consideradas sigilosas para o andamento da operação.
A eventual quebra do dever de sigilo pode se tratar de um deal breaker, expressão utilizada pelo mercado para tratar situações que tenham potencial para representar a não continuidade da negociação. A lógica, neste caso, é que a quebra do sigilo da operação pode acarretar prejuízos à estratégia de mercado da potencial compradora, tornando a operação desinteressante e consequentemente menos rentável.
Fase Pós-Compra em um M&A: O papel e os deveres dos sócios da empresa vendedora
Após efetivamente formalizado o contrato de compra e venda da empresa e realizados os demais trâmites jurídicos que formalizam a operação, como a correspondente alteração de contrato social da empresa objeto da venda, independentemente de continuarem na operação ou no quadro societário da empresa vendida, os sócios desta permanecem com uma série de obrigações relevantes.
Lock Up: O que é? Como Funciona?
A primeira obrigação que vale ser mencionada é o lock up, que se trata do período determinado em que os sócios se comprometem a permanecer na operação da empresa. O principal intuito de se adicionar uma cláusula de lock up ao instrumento de compra e venda da empresa em questão é garantir que o cotidiano desta empresa não sofra efeitos bruscos por conta da perda repentina de uma ou mais pessoas chaves para a continuidade do negócio.
Neste sentido, o lock up é aconselhável sempre que um ou mais sócio esteja diretamente envolvido com o cotidiano da operação da empresa que será adquirida, bem como quando a potencial compradora vise garantir a continuidade da operação desta empresa.
Vale frisar que a cláusula de lock up não é obrigatória na formalização de compra e venda de empresas, podendo ser negociada entre as partes envolvidas para garantir a estabilidade e a segurança da transação. Via de regra, o efeito prático da quebra antecipada da cláusula de lock up envolve o pagamento de multa, por parte do sócio infrator, sem prejuízo de que ele arque com demais perdas e danos eventualmente ocasionadas por conta de sua saída antecipada da operação ou gestão da empresa.
Não Concorrência e Não Aliciamento
Outras obrigações corriqueiramente adicionadas ao instrumento de compra e venda e bastante recomendadas são as cláusulas de não concorrência e de não aliciamento, deveres que também devem ser cumpridos por todos os sócios da empresa vendida.
A obrigação de não concorrência é bastante comum no mercado de operações de M&A, e tem por objetivo se preocupar, principalmente, com eventual divulgação de métodos e estratégias de negócios que possam ser divulgados pelos sócios a empresas consideradas concorrentes. Por se tratar de uma obrigação bastante sensível, é necessário que a cláusula seja a mais clara e objetiva possível.
Em uma operação de compra e venda de empresa, a cláusula de não concorrência geralmente impede que o vendedor crie ou trabalhe em uma nova empresa que tenha modelo de negócio semelhante à empresa vendida, dentro de um determinado período e, por vezes, dentro de uma determinada área geográfica. Como objetivo final, a cláusula de não concorrência visa proteger o comprador de enfrentar uma concorrência imediata do vendedor.
Já a cláusula de não aliciamento, por sua vez, visa garantir que os sócios da empresa vendida não realizem a contratação, direta ou indiretamente, dos profissionais remanescentes após a conclusão da venda. A lógica desta disposição é impedir a retirada de pessoas importantes para a continuidade do negócio, que, saindo repentinamente da operação, poderiam, eventualmente, causar prejuízos para a continuidade do negócio.
Earn-Out: O que é? Como apurar?
Por fim, cumpre mencionar a métrica conhecida como “earn-out”, que, nada mais é do que uma parcela variável do preço a ser recebido pela empresa objeto da compra, paga de acordo com os resultados obtidos da empresa objeto da compra, após o fechamento da operação de M&A.
Ou seja, quando é adicionada uma cláusula de earn-out ao contrato de compra e venda da empresa em questão, o pagamento será dividido em uma quantia inicial e uma quantia variável, é baseada no desempenho futuro da empresa adquirida. Esse desempenho pode ser medido por meio de diversas métricas financeiras, como ganho de receita, obtenção de lucro ou crescimento de vendas.
Para o atingimento de tais metas, que representam uma parcela adicional sobre o preço a ser recebido pela empresa vendida, é de praxe que os sócios se mantenham na operação por um período determinado. Sugere-se, adicionalmente, que as métricas que liberem a parcela variável do earn-out sejam claras e objetivas, a fim de evitar conflitos e mitigar a possibilidade de dupla interpretação sobre o eventual cumprimento de determinada métrica.
É recomendável a utilização do earn-out quando há incertezas em relação ao desempenho futuro da empresa adquirida ou quando as partes envolvidas na operação (o comprador e o vendedor) não conseguem chegar a um acordo sobre o preço de compra.
Seja antes, durante, ou após a conclusão da operação de compra e venda de uma empresa, é fundamental que os sócios, e a própria empresa, contem com o suporte de advogados especializados em operações de M&A para garantir o sucesso e a confiabilidade da operação pretendida, através do diagnóstico preciso dos riscos assumidos em caso de fechamento da operação e da confecção adequada de um contrato de compra e venda.
*Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados e Benz é integrante do time do escritório.
Foto: Divulgação.