A inexigibilidade de licitação para contratação de produtos inovadores pelo poder público A inexigibilidade de licitação para contratação de produtos inovadores pelo poder público

A inexigibilidade de licitação para contratação de produtos inovadores pelo poder público

O processo de licitação possui, por trás, uma racionalidade que busca estimular a concorrência entre privados que desejem oferecer os seus produtos ou serviços ao ente público

Por Renan Raffo e Layon Lopes*

Já se tornou cada vez mais corriqueiro que empresas de base tecnológica despontem no mercado trazendo ao público produtos e serviços completamente inovadores, até então inexistentes ou desconhecidos da população. Nos mais diversos segmentos, a inovação é vista hoje, mais do que nunca, como um ativo chave, capaz de atrair notabilidade do mundo inteiro, além de alavancar investimentos, vendas, faturamento e lucro para as companhias. Não à toa as gigantes mundiais de tecnologia aportam valores altíssimos em centros de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos: quanto mais inovadora e única a solução desenvolvida for, melhor. 

Em um contexto mundial de enorme competitividade, aquilo que é diferente se destaca. Neste sentido, os produtos inovadores, ao serem lançados no mercado, possuem um grande trunfo que ajuda a potencializar o seu crescimento: grande parte deles sequer possui concorrentes que apresentem algo similar ao que os próprios oferecem. Afinal, a revolução tecnológica não cansa de mostrar que, cada vez mais, surgem tecnologias que, em um passado pouco remoto, jamais se cogitaria que seriam pensadas por alguém – e, que após desenvolvidas e lançadas, rapidamente viram alvo de “inspiração” para a concorrência. 

Se, por um lado, para uma empresa é positivo não possuir concorrentes no mercado, como esta mesma companhia fará se, eventualmente, desejar oferecer a sua solução para o poder público? Esta questão passa com frequência pela cabeça de empreendedores, uma vez que é senso comum que as contratações realizadas pelos entes públicos devem submeter-se ao processo de licitação. E, de fato, este apontamento é correto: o legislador constituinte, visando a assegurar que o poder público realizasse contratações que lhe fossem vantajosas em termos econômicos e de qualidade, bem como a evitar a ocorrência de irregularidades ou favorecimentos indevidos a terceiros, previu que o processo licitatório é a regra geral para a celebração de contratos com a administração pública. 

Interpretando de outra maneira o que foi dito acima, pode-se concluir que o processo de licitação possui, por trás, uma racionalidade que busca estimular a concorrência entre privados que desejem oferecer os seus produtos ou serviços ao ente público – e, possivelmente, sustentando esta lógica, paira a premissa de que  competitividade desperta qualidade e produtividade. Diante deste cenário, como possibilitar que empresas que oferecem soluções inovadoras, e que sequer possuem concorrência no mercado, possam também celebrar negócios jurídicos com o poder público? Como adequar esta realidade tão específica ao processo licitatório, cujo fundamento é exatamente oposto? Ou há uma lacuna legal sobre este ponto, que traz como consequência deletéria um engessamento da administração pública, que fica inviabilizada de contratar produtos e soluções únicos e inovadores? 

Pois bem, a legislação brasileira, embora muitas vezes difusa e omissa em relação a questões importantes, traz uma solução para este impasse. Vejamos. 

A Lei 8.666/1993, conhecida como “Lei de Licitações”, foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então Presidente da República, Itamar Franco, com o intuito de regulamentar o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal. Esta lei estabelece o regramento geral acerca do processo de licitação e da celebração de contratos administrativos no Brasil, trazendo as principais diretrizes a respeito do tema. Para encontrar as respostas às questões levantadas neste artigo, o leitor deve se atentar especificamente ao que diz o artigo 25, inciso I, da Lei de Licitações:

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes.

O dispositivo legal acima esclarece que, nos casos em que a licitação não se fizer possível, em decorrência da inexistência de diversidade de sujeitos no mercado capazes de executar o objeto contratual (ou seja, falta de concorrência), o poder público poderá celebrar o contrato diretamente com o particular que tiver a capacidade de executá-lo, sendo inexigível do ente público que instaure processo de licitação. Ademais, é importante reiterar que, nestas hipóteses, sequer haveria meios para se realizar um processo licitatório, pois um de seus principais pressupostos – a competitividade – não se faz presente. O legislador, então, teve a astúcia de não impossibilitar que a administração pública efetive este tipo de contratações – o que seria prejudicial, em última análise, a toda a coletividade, que deixaria de dispor de serviços e produtos de qualidade por conta de barreiras formais. 

Por outro lado, é importante observar os requisitos impostos pela Lei de Licitações para que o instituto da inexigibilidade de processo licitatório seja utilizado sem que haja riscos e sanções às partes. Primeiramente, o próprio artigo 25, I, estipula que deve haver uma comprovação acerca da inexistência de concorrência no caso concreto, a qual deve se dar mediante atestado do registro do comércio local, sindicato, confederação, federação patronal ou entidade semelhante. Por conseguinte, o art. 26 da Lei 8.666 também determina, em seus incisos, alguns procedimentos que devem ser observados pela administração pública ao instruir o processo de contratação direta: deverá haver uma fundamentação sobre a escolha do fornecedor; justificativa do preço cobrado; e documentos de aprovação dos projetos oferecidos. 

As contratações pelo poder público são alvo de forte fiscalização por órgãos de controle – e não deveria ser diferente. Ao se tratar de dinheiro público, toda a cautela para evitar fraudes e danos ao erário é indispensável. No entanto, a proteção do bem comum deve tutelar, em proporções equilibradas, a prevenção contra ilicitudes com a possibilidade de que a administração pública também provenha aos cidadãos produtos e serviços de qualidade e inovativos. Seguramente, se bem efetuada, esta equação terá como resultado um saldo bastante positivo para todos os envolvidos.

Por fim, uma importante dica para complementar o assunto: recentemente, foi publicado um vídeo no Canal SL, no Youtube, em que nossa equipe trata sobre as hipóteses de contratação com o poder público sem a realização de processo de licitação. Não deixe de conferir! 

Dúvidas? A equipe do Silva | Lopes Advogados  pode te ajudar.

*Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados e Raffo é integrante do time do escritório.