Impactos do estado de calamidade pública sobre a gestão fiscal Impactos do estado de calamidade pública sobre a gestão fiscal

Impactos do estado de calamidade pública sobre a gestão fiscal

Situações excepcionais e imprevisíveis, como a atual pandemia do coronavírus, demandam um aumento exponencial de gasto público, a fim de atender a diversas demandas que surgem durante a crise

Renan Raffo e Layon Lopes*

A Lei Complementar 101, mais conhecida como “Lei de Responsabilidade Fiscal”, ou apenas “LRF”, é o conjunto normativo que estabelece regras de finanças públicas, visando a garantir a responsabilidade na gestão fiscal. A fim de regulamentar o Capítulo II do Título VI da Constituição Federal, que, em seu art. 163, I, prevê que caberá a lei complementar dispor sobre finanças públicas, a LRF foi instituída em 2002, na esteira do bem-sucedido Plano Real e de uma série de medidas de ajuste das contas públicas promovidas pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

A LRF designa uma série de parâmetros a serem observados pelos entes públicos (em esfera federal, estadual e municipal), a fim de que seja obtido o maior equilíbrio possível das finanças públicas. Desta forma, a LRF propõe o estabelecimento de metas de resultados a serem cumpridas pelo ente público, devendo ser observados limites entre a receita e a despesa de cada ente. Esta limitação de gastos visa a manter as contas públicas em patamares saudáveis, para que, explicando de forma simples, o Estado não gaste mais do que arrecada e, por conseguinte, não atinja níveis de endividamento que o torne insustentável. Em suma, o que se busca é que os gestores públicos atuem mirando atingir uma famosa expressão, mesmo dentre aqueles pouco letrados em economia: o superávit primário.

Ocorre, porém, que situações excepcionais e imprevisíveis, como a atual pandemia do coronavírus (covid-19), demandam um aumento exponencial de gasto público, a fim de atender a diversas demandas que surgem durante a crise. Podem ser citados como principais exemplos causadores do aumento do gasto de recursos públicos, no atual momento, a necessidade de investimento em equipes, insumos e equipamentos de saúde e o apoio financeiro a empresas e trabalhadores afetados pela crise. Justamente para contemplar contextos desta magnitude, nos quais os gestores públicos se veem, por um lado, com o dever de auxiliar de forma mais ativa as carências da sociedade e, por outro, preocupados com o cumprimento das metas fiscais, a LRF prevê hipóteses que facultam a flexibilização do cumprimento destas normas de gestão das finanças públicas.

O art. 65 da LRF prevê que, na ocorrência de calamidade pública, reconhecida pelo Congresso Nacional ou pelas Assembleias Legislativas (a depender do ente), serão suspensas as contagens dos prazos e as disposições dos artigos 23, 31 e 70; bem como que serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9º da própria lei. Mas de que, afinal tratam os referidos dispositivos? Vejamos.

O art. 23 da LRF estabelece limites para a apuração de gastos relativos a despesas com pessoal; o art. 31, por sua vez, diz respeito à apuração da dívida consolidada pelo ente público; e o art. 70 traz uma previsão específica para a época em que foi publicada a LRF, já não sendo mais aplicável. Logo, tem-se o panorama de que, em situação de calamidade pública, há a garantia de que o gestor público poderá efetuar maiores gastos com pessoal (o que é extremamente importante, tendo em vista que o Estado necessita de mais mãos para garantir os serviços essenciais à população), bem como que, de forma geral, poderá empenhar montante maior de recurso nas mais diversas áreas, pois está facultado a descumprir as demais previsões acerca de obtenção de resultados fiscais positivos.

Inegavelmente, gastos públicos exacerbados importarão, à frente, em um cenário econômico extremamente complexo e delicado. Não poderá o Estado, entretanto, furtar-se de sua grande razão de existir: servir, de forma eficiente, às pessoas. Seja por ora, investindo recursos para salvar vidas de vítimas da covid-19, seja à frente, apresentando soluções a empresas, empreendedores e trabalhadores que já tem suas atividades e finanças completamente devastadas pelas consequências do vírus.

Dúvidas? A equipe do Silva | Lopes Advogados pode te ajudar.

*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Raffo é integrante do time do escritório.