Inteligência Artificial e a Responsabilidade Civil Inteligência Artificial e a Responsabilidade Civil

Inteligência Artificial e a Responsabilidade Civil

À medida que o carro que possui inteligência artificial vai adquirindo a sua autonomia em relação ao motorista, os sujeitos a serem responsabilizados em um eventual acidente também mudam

Por Gustavo Chaves Barcellos e Layon Lopes*

A inteligência artificial é atualmente parte indissociável do nosso cotidiano. Ela está abarcada dentro de diversos dispositivos que utilizamos rotineiramente, inclusive, em um futuro breve, será possível sermos transportados, por exemplo, por carros 100% autônomos que não necessitam de motoristas para levar seus passageiros de um lado para o outro. 

Mas, em caso de falha destes dispositivos, quem terá a responsabilidade civil de reparar os danos causados? A resposta é incerta, pois o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, são instrumentos legais que regulamentam a responsabilização civil. Mas, quando promulgados, a inteligência artificial era um assunto que só se verificava nas salas de cinema. 

De qualquer forma, inteligência artificial é um conceito aplicável a diversos segmentos que permite que softwares “tomem decisões” pré programadas, com base em algoritmos previamente desenvolvidos, sem nenhuma, ou ainda com baixa intervenção humana. Tais tomadas de decisões podem estar desde a análise de crédito dos consumidores, análise de segurança e, inclusive, na mobilidade urbana mundial. 

Um caso bastante paradigmático são as empresas que desenvolveram programas de computador com inteligência artificial abarcada que permitiram o desenvolvimento dos carros autônomos:

A Google anunciou seu Driverless Car, tendo, no ano de 2015, atingido de um milhão de milhas percorridas por seu veículo autônomo. Ao trafegar sem nenhum motorista humano, o referido veículo teve que enfrentar congestionamentos, dentre todas as demais intemperes presentes no trânsito das grandes metrópoles, inclusive acidentes, sendo que, neste caso, foram dezesseis acidentes de menor complexidade (BRODSKY, 2018, p. 856).

Em 2016, a Tesla divulgou seu Model S. Lamentavelmente, no entanto, acabou protagonizando a primeira morte em decorrência de seu uso. Seu veículo falhou ao não identificar um caminhão branco, que estava cruzando o seu caminho. O veículo prosseguiu seu curso e entrou embaixo do caminhão, levando a óbito seu passageiro Joshua Brown (MACHINE, 2018, p. 26).

E mais, recentemente, o veículo autônomo da Uber não percebeu a aproximação de uma ciclista, Elaine Herzberg, de 49 anos, na cidade de Tempe, Arizona, vindo a atropelá-la e matá-la. Em resposta a empresa apresentou a seguinte nota: 

“Não podemos especular a causa do incidente ou o que ele pode significar para o setor de carros autônomos daqui para frente. Por sentirmos que o incidente pode ter um efeito emocional sobre nossos motoristas de teste, decidimos suspender temporariamente nosso modo Chauffeur (como a empresa chama seu programa de autônomos) em vias públicas”

Ocorre que, quando falamos em carros autônomos, estamos nos referindo ao gênero, ignorando as suas diversas espécies, as quais, para fins de responsabilização civil por eventuais acidentes, têm escopos de responsabilidades diferentes.  A Society of Engineers, organização profissional estadunidense voltada ao estudo dos carros autônomos, detalha seis níveis de automação, que oscilam entre zero e cinco:(a) no nível zero (No automation), o motorista faz todo o trabalho em relação ao direcionamento, aceleração e desaceleração do veículo; (b) no nível um (driver assistent), o sistema encarrega-se das tarefas do volante, aceleração e desaceleração, usando informações ambientais, com a expectativa que o condutor humano irá executar todas as demais tarefas envolvidas na condução do veículo; (c) no nível dois (partial automation), o motorista é auxiliado por um ou mais sistemas de assistência, tanto de direção quanto de aceleração/desaceleração, assumindo o condutor, porém, todos os demais aspectos da atividade de dirigir; (d) no nível três (conditional automotion), o sistema de condução automatizado envolve todos os aspectos da tarefa de condução dinâmica do veículo, mas o motorista estará disponível para intervir; (e) no nível quatro (high automation), o sistema de condução automatizado envolve todos os aspectos da atividade de locomoção, ainda que um condutor humano não responda adequadamente a um pedido de intervenção e (f) no nível cinco (Full Automotion), a automação é total, não existindo mais a necessidade da existência do motorista. 

Percebam que à medida que o carro vai adquirindo a sua autonomia em relação ao motorista, os sujeitos a serem responsabilizados em um eventual acidente também mudam. Ora, se o motorista tem a total ou parcial possibilidade de intervir no processo de direcionamento do veículo e não o faz, ele será civilmente responsabilizado, nos termos do artigo 186 do Código Civil, que diz que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Sendo o artigo 927 também do Código Civil, aquele que comete um ato ilícito decorrente de uma ação ou omissão negligente ou imprudente fica obrigado a reparar a vítima. Nos casos em que a inteligência artificial ainda é “controlável” por parte do motorista, cabe a este indenizar a vítima se incorrer nas condutas tipificadas anteriormente. 

Por outro lado, quando estamos falando em carros autônomos com uma inteligência artificial que elimina total ou parcialmente a necessidade da existência do motorista humano, o regramento passa a ser outro. Nestes casos, o dano não decorre de um ato ilícito humano, mas de uma falha de fabricação do próprio produto, incidindo ao caso os artigos 12 e 17 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

O grande desafio legislativo, portanto, para fins de responsabilização civil em relação à inteligência artificial dos veículos autônomos não está nos casos em que a tomada de decisão é toda do “veículo”, ou nos casos em que ela é toda do motorista, mas nos níveis em que há um compartilhamento de tomadas de decisão. 

Neste ponto, cabe destacar que acidentes podem ser desencadeados por eventos de impossível prevenção, e que sequer poderiam ser antevistos por softwares, entretanto, a vertente legislativa brasileira sempre buscou privilegiar a reparação à vítima, do que a apuração da medida de responsabilidade atribuível a cada um dos agressores envolvidos. 

Deste modo, é possível concluir que, quando houver um acidente envolvendo inteligência artificial, irá se privilegiar ao pagamento da indenização da vítima pela empresa que desenvolveu o produto em questão, cabendo a ela, posteriormente, apurar se foi uma ação humana (de um motorista por exemplo), ou uma falha de programação do seu software, ou ambas, que acarretaram o ato ilícito. 

Dúvidas? A equipe do Silva | Lopes Advogados pode te ajudar!

*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advgados e Chaves Barcellos é integrante do time do escritório.

 

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