Por Paola Martins, Gustavo Chaves Barcellos e Layon Lopes*
A atividade empresária acontece apoiando-se em um feixe contratual entre a empresa e seus clientes, fornecedores e outras partes relacionadas, servindo o departamento jurídico interno como verdadeiro gestor desta rede de relações.
Buscando estreitar e ofertar maior previsibilidade, segurança e estabilidade aos contratos firmados, é comum que os contratos comerciais recorram a estrutura da multa por descumprimento contratual.
Entretanto, é comum que existam dúvidas quanto ao valor a ser fixado como multa para estes casos, bem como questões sobre como um jurídico interno pode auxiliar a empresa com estes pontos.
1.Multa compensatória x Multa não compensatória
As multas por descumprimento contratual, também chamadas de Cláusulas Penais, são cláusulas contratuais que estabelecem uma penalidade caso determinada obrigação seja descumprida, total ou parcialmente, por ação ou omissão.
Compensatória: Tem por fundamento a compensação, ou seja, a satisfação do credor em razão de descumprimento de obrigação contratual, com o retorno, através do pagamento da multa, do credor a posição que se encontrava anteriormente ao momento em que incorreu em perdas e danos em decorrência da conduta do devedor. Vale notar que, ao estabelecer contratualmente multas de caráter compensatório, o credor não poderá, segundo entendimento do STJ, buscar receber posteriormente outras indenizações a título de perdas e danos. Desta forma, caso a multa compensatória estabelecida no contrato seja menor do que o os danos incorridos pelo credor, este acabará frontalmente prejudicado;
Não compensatória: No sentido inverso, a cláusula penal que estabelece multa não compensatória não tem por objetivo manter ou retornar o credor a uma posição anterior, mas sim servir de efetivo desincentivo ao credor quanto ao descumprimento contratual. A aplicação de multa não compensatória independe da comprovação de prejuízos, perdas e danos, bastando em si mesma a partir da verificação do descumprimento. Assim, tem por função dissuadir o descumprimento das obrigações assumidas, para além da mera compensação de prejuízos causados.
2.Limite financeiro
Vale destacar que o Código Civil não estabelece limites ao valor a ser aplicado a título de multa contratual, apenas referindo que o valor da multa não poderá exceder o da obrigação principal (artigo 412).
Cumpre notar, entretanto, que muitas vezes as obrigações acessórias, como dever de confidencialidade e sigilo e obrigações de proteção de propriedade intelectual, podem ocasionar prejuízos muito maiores do que o da obrigação principal, e o estabelecimento de multa que se limite ao valor da obrigação principal, pode, em verdade, estimular o descumprimento do contrato, como se verá em seguida.
Além disso, é comum existir confusão quanto ao limite de 2%, fixado no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 52, §1º.
Entretanto, deve-se atentar para o fato de que este limite não pode ser importado do direito consumerista para as relações comerciais, vigorando, nestas, o disposto no Código Civil, após modificações promovidas pela Lei da Liberdade Econômica, segundo a qual as relações contratuais privadas devem se reger pela intervenção mínima e excepcionalidade da revisão, presumindo-se paritários e simétricos (arts. 421 e 421-A do Código Civil).
Nestes casos, o STJ em jurisprudência fixando patamares entre 5% e 20%, porém não é assunto pacificado.
3.Cobra effect
Um dos principais pontos de atenção que se deve ter ao fixar o patamar de uma multa contratual é que o seu valor não seja nem tão alto, ao ponto de tornar-se abusiva ou inexequível, e nem tão baixa, a ponto de estimular o descumprimento da obrigação assumida.
Mas quando uma multa pode estimular o descumprimento contratual?
Isto ocorre quanto, financeiramente, percebe-se que os ganhos de uma parte, decorrentes do descumprimento contratual, serão superiores às penalidades atribuídas ao mesmo descumprimento.
Neste ponto, está-se diante do chamado “cobra effect”, passando a ser economicamente mais interessante à outra parte incorrer em descumprimento contratual do que cumprir os termos do pacto firmado.
É evidente que esta virada de chave deve ser evitada e, para isto, deve-se buscar a fixação de multas em patamares que contenham um racional econômico-financeiro e operacional que lhe sustentem, não sendo apenas uma atribuição genérica de valores exorbitantes.
4.Papel do jurídico interno
É possível perceber que a fixação de um patamar de multa contratual, o que, à primeira vista, pode ser muito mais complexo, quando analisado de perto. Isto porque, para melhor diagnosticar e projetar os impactos de cada descumprimento da obrigação assumida, é necessário possuir proximidade com a operação e familiaridade com as dores, necessidades e particularidades da empresa.
Por este motivo, o jurídico interno é o departamento mais indicado para realizar essa estipulação, pois atrela os conhecimentos jurídicos necessários à intimidade com a atividade empresarial desenvolvida.
Assim, é possível dizer que a estruturação de um departamento jurídico para tratar de assuntos contratuais pode ser muito benéfico às empresas, com a expertise de profissionais direcionados a estas necessidades, tanto em matérias contratuais mais complexas, como contratos de parcerias ou contratos comerciais para projetos de maior monta financeira.
Cumpre notar que as multas contratuais praticadas por concorrentes, parceiros ou fornecedores não necessariamente correspondem de forma satisfatória àquilo que a empresa efetivamente precisa.
Existem diversos fatores, jurídicos e operacionais, que devem ser levados em conta quando da fixação destas multas.
Desta forma, constata-se que o departamento jurídico interno possui as melhores condições de assessorar a empresa no que diz respeito às suas necessidades contratuais, incluindo a definição de valores de multas contratuais em cláusulas penais.
Deve-se perceber, ainda, que cada tipo de contrato firmado, seja contrato de trabalho, contrato de prestação de serviços, contrato com clientes, contrato com fornecedores, contratos de parceria, contratos societários, cada um destes contratos contará com particularidades específicas e que devem ser levadas em conta no momento da fixação da multa, sob pena de incorrer em prática de multa abusiva ou inexequível, ou, ainda, de cair na armadilha do cobra effect, já explicado.
Portanto, é essencial o papel desenvolvido pelo jurídico interno junto à concepção, elaboração, negociação e gestão de contratos de todas as esferas.
Dúvidas? A equipe do Silva Lopes pode te ajudar!
*Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados, Chaves Barcellos é sócio e Martins é integrante do escritório.
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