Metodologia: posso registrar ou patentear? Metodologia: posso registrar ou patentear?

Metodologia: posso registrar ou patentear?

Esta é uma dúvida presente entre parceiros e empreendedores que atuam no mercado tecnológico

Por Lucas Euzébio e Layon Lopes*

É possível registrar ou patentear uma metodologia que utilizo na concepção de um produto? Como protejo uma metodologia de ensino ou determinados procedimentos conceituais que levam para o produto que desenvolvi? Essas perguntas são recorrentes entre parceiros e empreendedores que atuam no mercado tecnológico, uma vez que o valor de uma empresa de base tecnológica não está em seus ativos tangíveis, mas sim intangíveis. 

De início, é importante entendermos a etimologia da palavra metodologia, advinda do grego méthodos, que significa “meio para chegar a um fim”, método é o caminho para alcançar um objetivo. Metodologia, portanto, é o estudo dos caminhos para atingir um objetivo. 

Antes de adentrarmos ao tema deste artigo, é sempre importante elucidar o leitor sobre uma noção e conceitos básicos acerca da Propriedade Intelectual e Propriedade Industrial. 

O termo “Propriedade Intelectual” é expressão certa para designar as obras fruto do intelecto humano cujo bem intelectual possui a tutela e proteção do Direito Autoral ou pelo Direito da Propriedade Industrial. 

A Propriedade Intelectual é um gênero que comporta pelo menos dois sistemas de tutela distintos, duas espécies: o direito autoral, que trata das criações intelectuais afetas ao mundo das artes, literatura ou ciência; e o direito da propriedade industrial que tem como foco os bens intelectuais afetos ao exercício de atividades econômicas, tais como as marcas e as patentes de invenções.¹

Evidencie-se que cada conquista tecnológica é acompanhada do surgimento de novos desafios para o Direito e esses desafios são constantes. Foi assim desde a invenção da impressão gráfica com os tipos móveis por Gutenberg

Elucidada a diferença entre Direito Autoral e Propriedade Industrial, o leitor pode estar se questionando em qual destes institutos irei proteger a minha metodologia, se irei patentear ou se irei registrar em algum órgão ou autarquia.

A Lei de Direitos Autorais, Lei nº 9.610/98 possui um rol taxativo e descritivo em seu art.7º de quais obras intelectuais e criações são passíveis de proteção. Alguns exemplos: textos e obras literárias, composições musicais, obras audiovisuais, pinturas, programas de computador, ilustrações etc. Não contemplando metodologias e ideias. 

O nome da Lei “Lei de Direito Autoral” já acusa, ela visa proteger o autor da criação. A Lei considera o autor e titular do direito aquele que externalizou sua criação para o mundo primeiro, ou seja, a critério da anterioridade. 

A título de curiosidade, existem registros facultativos e declaratórios que podem ser feitos no âmbito do Direito autoral, como: registro na ANCINE de obras audiovisuais, programas de computador no INPI e obras literárias na Biblioteca Nacional, etc.

Quando falamos de proteção de metodologias de ensino, procedimentos, planos de negócios, projetos ou conceitos, a Lei de Direitos Autorais possuí uma previsão expressa de que metodologias não são objeto de direitos autorais, mais precisamente, em seu art. 8º, o qual vale reprodução abaixo.

Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:

I – as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;

II – os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;

III – os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;

IV – os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;

V – as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;

VI – os nomes e títulos isolados;

VII – o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras.

Logo, percebemos que o Direito Autoral não protege procedimentos e métodos, como metodologias de ensino. Na prática, essa discussão já foi objeto de um julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em um Recurso Especial³ de 2014, julgado pela 3ª Turma do STJ sob a relatoria da Min. Nancy Andrighi, onde foi analisado uma acusação de plágio de um projeto e métodos utilizados no mesmo, a Ministra ressaltou em seu voto que as ideias, métodos e projetos não são passíveis de proteção autoral, citando o art. 8º da Lei de Direitos Autorais.

Em seu voto a Ministra Nancy Andrighi ressalta: 

“A Lei n. 9.610/98, em seu art. 8º, I, II e VII, dispõe, expressamente, que ideias, métodos, sistemas, projetos, esquemas, planos e negócios não são objeto da proteção do direito autoral. E não poderia ser diferente, pois a Constituição da República Federativa do Brasil consagra o princípio da livre concorrência e da livre iniciativa. Não é possível a monopolização de ideias, pois as mesmas são patrimônio comum da humanidade.

O jurista José de Oliveira Ascensão, ao discorrer sobre as ideias, afirma que não há propriedade ou exclusividade dessas, e que, uma vez concebidas, configuram patrimônio comum da humanidade. 

Por sua vez, Antônio Chaves afirma (CHAVES, Antônio. Criador da obra intelectual. São Paulo: LTr, 1995):

O autor está livre de dar ou não publicação às suas ideias. Mas, “uma vez realizada a publicação, produz-se um fenômeno que escapa ao seu domínio: a ideia não é somente sua; o público a possui e já não pode perdê-la mais. A ideia é refratária, por sua própria natureza, ao direito de propriedade que presume a possibilidade de uma posse exclusiva.

José Carlos Costa Netto, citando Luciana Freire Rangel, esclarece:

(…) não se pode privar uma pessoa de criar sobre uma idéia, porque outra pessoa o fez anteriormente; caso contrário, teríamos toda a produção intelectual impedida de ser realizada.

(…) (COSTA NETTO, José Carlos. Direito Autoral no Brasil. Editora FTD, 1998)”

Superada a proteção acerca de metodologia, resta entender se a metodologia é passível de proteção pelo Direito da Propriedade Industrial. 

PATENTE DE INVENÇÃO ou MODELO DE UTILIDADE: 

Quando falamos da proteção pela propriedade industrial, temos que analisar o que é chamado de patente de invenção e patente de Modelo de Utilidade.

Patente de Invenção, segundo o próprio INPI tem o seguinte conceito:

” A Patente de Invenção (PI) destina-se à pessoa física ou jurídica que deseja requerer uma patente de invenção de uma nova tecnologia para um produto ou processo, que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. 

Modelo de Utilidade (MU), segundo o INPI, é:

A Patente de Modelo de Utilidade destina-se à pessoa física ou jurídica que deseja requerer um pedido de patente de modelo de utilidade de um objeto de uso prático ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação, como utensílios e ferramentas.

Com o conceito de patente de invenção e modelo de utilidade, fica claro que uma metodologia por si só não é passível de proteção por estes institutos, pois precisará cumprir obrigatoriamente alguns requisitos como a novidade, atividade inventiva e, por último e não menos importante, aplicação industrial. A duração da patente de Invenção tem o prazo de 20 anos, enquanto a patente de Modelo de utilidade possui o prazo de 15 anos. 

Em outras palavras, a metodologia por si só também não é protegida pelo Direito de Propriedade Industrial, o qual vedou essa possibilidade expressamente na Lei nº 9.279/96, a metodologia deve fazer parte, por exemplo, de um conjunto de requisitos como a aplicabilidade industrial, atividade inventiva e novidade.

Portanto, não se considera invenção nem modelo de utilidade:

      • Descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
      • Concepções puramente abstratas;
      • Esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização.
      • As obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;
      • Programas de computador em si;
      • Apresentação de informações;
      • Regras de jogo;
      • Técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal;
      • O todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

Por fim, a metodologia por si só não é passível de proteção por representar um risco ao princípio da livre concorrência e da livre iniciativa, o núcleo duro de qualquer nação bem desenvolvida, sendo previsto em nossa Constituição Federal a proteção da livre iniciativa e da livre concorrência.  ₄

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*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados e Euzébio é integrante do time do escritório.

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¹ BARBOSA, Denis Borges. A Proteção do Software. Rio de Janeiro: Lumem Juris. 2001, Pg 10. Livro eletrônico. Disponível em https://denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/77.doc

² Com GUTEMBERG, que inventou a impressão gráfica com os tipos móveis (século XV), fixou-se definitivamente a forma escrita, e as ideias e suas diversas expressões puderam finalmente, e aceleradamente, atingir divulgação em escala industrial. Aí, sim, surge realmente o problema da proteção jurídica do direito autoral, principalmente no que se refere à remuneração dos autores e de seu direito de reproduzir e de qualquer forma utilizar suas obras.” GANDELMAN, Henrique. De Gutemberg à INTERNET. 2 a. ed. São Paulo: Record, 1997, p. 28.

³ REsp nº 1.418.524/BA acesso em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp

Constituição Federal de 1988 – Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existências digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência. Acesso em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm