A securitização vem ganhando destaque como uma solução eficiente para transformar recebíveis em capital imediato, com impactos significativos no planejamento financeiro das empresas. Apesar de sua popularização no mercado de capitais brasileiro, ainda existem muitas dúvidas sobre como funciona esse tipo de operação, quais são seus riscos e como estruturar juridicamente uma securitização segura e eficaz.
Neste artigo, você vai entender de forma clara e técnica o que é securitização, quais são os seus principais formatos, qual o papel da companhia securitizadora nesse processo e os cuidados jurídicos que devem ser adotados para garantir a conformidade regulatória e a segurança da operação. O conteúdo é especialmente voltado a empresários, investidores, gestores financeiros e profissionais do meio jurídico que atuam ou desejam atuar com estruturas de financiamento via mercado de capitais.
Conteúdo:
- O que é securitização e como funciona?
- Quais os tipos de operações de securitização?
- Qual é o papel da companhia securitizadora?
- Quais são os cuidados jurídicos na operação de securitização?
O que é securitização e como funciona?
Uma operação de securitização é a criação de um valor mobiliário lastreado em um direito creditório para negociação com terceiros. O Marco Legal da Securitização (Lei n. 14.430/22) define a operação de securitização como “aquisição de direitos creditórios para lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários perante investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios e dos demais bens, direitos e garantias que o lastreiam”.
Para entender como funciona a securitização é necessário também entender os conceitos básicos dessa operação, o lastro e o direito creditório.
Basicamente, o direito creditório é todo o direito de crédito que alguém tem a receber, que pode ter previsão de pagamento de curto, médio ou longo prazo. Como exemplo podemos citar a duplicata mercantil, título de crédito emitido em operações de venda de mercadoria feita a prazo, em que o comprador se compromete a pagar ao fornecedor, no futuro, o valor da mercadoria adquirida.
Quando tratamos do lastro ou em “lastrear valores mobiliários”, estamos indicando que um acordo realizado entre partes – neste caso, a companhia securitizadora e o investidor – possui um valor e este valor é baseado em algo. Ou seja, no caso dos Certificados de Recebíveis emitidos pela companhia securitizadora, estes terão o seu valor lastreado ao valor dos direitos creditórios adquiridos pela securitizadora, conforme indicados em seu conteúdo.
Já os Certificados de Recebíveis, de acordo com o Marco Legal da Securitização, “são títulos de crédito nominativos, de emissão exclusiva de companhia securitizadora, (…) de livre negociação, que constituem promessa de pagamento em dinheiro”. São títulos elaborados e emitidos pela companhia securitizadora, na forma prevista em lei, que gerarão um direito de crédito ao investidor, baseado/lastreado ao direito creditório detido pela companhia securitizadora.
Dito isso, em uma operação de securitização temos:
- Cedente: empresa ou pessoa que realiza a venda de direitos creditórios para a companhia securitizadora, mediante aplicação de deságio;
- Companhia Securitizadora: credora dos direitos creditórios e instituição não financeira que emite Certificados de Recebíveis ou outros títulos ou valores mobiliários lastreados no direito creditório adquirido;
- Investidores: terceiros que adquirem os Certificados de Recebíveis emitidos pela Companhia Securitizadora e terão direitos de crédito lastreados no direito creditório adquirido do Cedente.
Via de regra, a operação de securitização segue o fluxo abaixo:
Quais os tipos de Securitizadoras?
As operações de securitização variam conforme o tipo de crédito que serve de lastro. Entre as mais comuns, estão os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), cada um regulado por normas específicas e com características próprias.
No caso dos CRIs, o foco está nos recebíveis originados no setor imobiliário. São títulos emitidos com base em contratos de compra e venda de imóveis, aluguéis ou financiamentos habitacionais. Já os CRAs têm como lastro créditos ligados à produção, comercialização ou industrialização de produtos do agronegócio, como antecipação de safras ou financiamentos rurais.
Existem também estruturas mais flexíveis, permitidas pelo Marco Legal da Securitização, que possibilitam a emissão de certificados com base em créditos originados em diversos setores da economia, desde que devidamente caracterizados como direitos creditórios e formalizados de forma adequada. Em alguns casos, empresas optam por emitir debêntures lastreadas em recebíveis, como alternativa às estruturas tradicionais.
Independentemente do formato escolhido, o ponto central da securitização está na qualidade dos créditos que compõem o lastro, na clareza jurídica dos contratos e na capacidade da securitizadora de estruturar uma operação que atenda aos critérios legais, financeiros e de mercado.
Qual é o papel da companhia securitizadora?
A companhia securitizadora é a peça-chave para que toda a operação de securitização aconteça com segurança e dentro da legalidade. Embora não seja uma instituição financeira, sua função se aproxima da de um intermediário estruturador: ela adquire os direitos creditórios da empresa cedente, transforma esses créditos em ativos financeiros e os distribui no mercado.
Esse processo exige não apenas domínio técnico, mas também uma sólida estrutura jurídica e regulatória. A companhia securitizadora precisa avaliar a qualidade dos créditos, garantir que estejam formalmente aptos à cessão, estruturar os documentos da operação e registrar os títulos junto às entidades autorizadas. Além disso, deve acompanhar o fluxo de pagamentos, cumprir obrigações regulatórias e prestar informações periódicas aos investidores e à CVM.
Para que a operação inspire confiança no mercado, é fundamental que a securitizadora adote práticas rigorosas de compliance, tenha governança robusta e atue com total transparência. A reputação da companhia securitizadora muitas vezes é determinante para o sucesso da emissão. Afinal, ela assume não apenas a administração dos créditos, mas também a responsabilidade de manter a estrutura jurídica e financeira coesa durante todo o prazo dos certificados emitidos.
Nos bastidores, é comum que essa atuação conte com o apoio de consultores jurídicos, auditores independentes, agentes fiduciários e classificadoras de risco, que contribuem para que cada etapa da operação esteja em conformidade com as exigências legais e com os interesses dos investidores.
Quais são os cuidados jurídicos na operação de securitização?
A operação de securitização é complexa e demanda alguns cuidados para fins de prevenção e mitigação de riscos pela companhia securitizadora, assim como, para garantir a conformidade com a legislação e regulação aplicáveis.
Inicialmente, destacamos que as companhias securitizadoras devem ser constituídas sob o tipo societário de sociedade anônima que detenha como atividade exclusiva a securitização de direitos creditórios.
Quanto aos títulos de crédito, o Marco Legal da Securitização define a forma que os Certificados de Recebíveis deverão ser emitidos pela companhia securitizadora e formalizados mediante Termo de Securitiza que deverá conter, no mínimo, o seguinte:
- nome da companhia securitizadora emitente;
- número de ordem, local e data de emissão;
- denominação “Certificado de Recebíveis” acrescida da natureza dos direitos creditórios;
- valor nominal;
- data de vencimento ordinário do valor nominal e de resgate dos Certificados de Recebíveis e, se for o caso, discriminação dos valores e das datas de pagamento das amortizações;
- remuneração por taxa de juros fixa, flutuante ou variável, que poderá contar com prêmio, fixo ou variável, e admitir a capitalização no período estabelecido no termo de securitização;
- critérios para atualização monetária, se houver;
- cláusula de correção por variação cambial, se houver;
- local e método de pagamento;
- indicação do número de emissão e da eventual divisão dos Certificados de Recebíveis integrantes da mesma emissão em diferentes classes ou séries, inclusive a possibilidade de aditamentos posteriores para inclusão de novas classes e séries e requisitos de complementação de lastro, quando for o caso;
- indicação da existência ou não de subordinação entre as classes integrantes da mesma emissão, entendida como a preferência de uma classe sobre outra para fins de amortização e resgate dos Certificados de Recebíveis;
- descrição dos direitos creditórios que compõem o lastro da emissão dos Certificados de Recebíveis;
- indicação, se for o caso, da possibilidade de substituição ou de aquisição futura dos direitos creditórios vinculados aos Certificados de Recebíveis com a utilização dos recursos provenientes do pagamento dos direitos creditórios originais vinculados à emissão, com detalhamento do procedimento para a sua formalização, dos critérios de elegibilidade e do prazo para a aquisição dos novos direitos creditórios, sob pena de amortização antecipada obrigatória dos Certificados de Recebíveis;
- se houver, garantias fidejussórias ou reais de amortização dos Certificados de Recebíveis integrantes da emissão ou de classes e séries específicas, se for o caso;
- indicação da possibilidade de dação em pagamento dos direitos creditórios aos titulares dos Certificados de Recebíveis, hipótese em que deverão ser estabelecidos os procedimentos a serem adotados;
- regras e procedimentos aplicáveis às assembleias gerais de titulares de Certificados de Recebíveis; e
- hipóteses em que a companhia securitizadora poderá ser destituída ou substituída.
Vale ressaltar que a depender da forma em que o Certificado de Recebível ou demais títulos emitidos forem ofertados pela companhia securitizadora – forma pública ou privada – poderá tornar as atividades da companhia securitizadora regulamentadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Isso porque, na oferta pública, em que a companhia securitizadora direciona a oferta de aquisição dos títulos ao público e não para investidores específicos, ocorre a caracterização de tal título como valor mobiliário, conforme a Lei n. 6.385/76, sendo, portanto, de competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regulamentá-los. O Marco Legal da Securitização determinou, nesses casos, ser de responsabilidade da CVM regulamentar o:
- o registro, à estrutura, ao funcionamento e às atividades das companhias securitizadoras;
- as características e o regime de prestação de informações associados aos Certificados de Recebíveis e aos demais valores mobiliários ofertados publicamente; e
- as hipóteses de destituição e de substituição das companhias securitizadoras.
Em razão disso, a CVM publicou a Resolução CVM n. 60/21, que determina o registro da companhia securitizadora perante a CVM e observância de regras relacionadas à prestação de informações periódicas à autarquia, implementação de procedimentos de controles internos, realização de assembleia especial de investidores, formato e regras a serem observado para contratação de prestadores de serviços de escrituração, custodiante, auditor independente e agente fiduciário, entre outros.
Para ambas as modalidades de companhia securitizadora – regulada ou não regulada – deverá ser instituído o regime fiduciário (salvo se a companhia securitizadora estiver registrada na categoria S2 perante a CVM), que trata da segregação dos patrimônios relacionados aos direitos creditórios que são lastro dos Certificados de Recebíveis das demais operações e patrimônio da companhia securitizadora, inclusive em relação a passivos fiscais, previdenciários e trabalhistas.
A operação de securitização é complexa e demanda atenção especial às legislações aplicáveis e aos mecanismos apresentados pelo próprio Marco Legal da Securitização que visa prevenir e mitigar riscos de liquidez da companhia securitizadora para adimplir com os Certificados de Recebíveis e demais títulos que vierem a ser emitidos.
As companhias securitizadoras deverão deter expertise relacionada cada tipo de operação de securitização que realizará para garantir a segurança, ainda que em investimentos de alto risco, o que pode se dar desde a emissão do termo de securitização, através das cláusulas que ali constarão, até o estabelecimento de regime fiduciário e cuidado com o seu patrimônio.
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