Reguladores e fintechs: entenda como se dá essa relação Reguladores e fintechs: entenda como se dá essa relação

Reguladores e fintechs: entenda como se dá essa relação

Cada vez mais os principais reguladores do sistema financeiro, do sistema de pagamentos e do mercado financeiro estão de olho nas fintechs

Por Layon Lopes*

Parte importante para o ecossistema de fintechs é o envolvimento dos reguladores em encontrar alternativas viáveis de criar mecanismos para incluir, de forma saudável, as fintechs. No Brasil, os dois principais reguladores das atividades das fintechs são a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central do Brasil (BACEN). Neste artigo, vamos apresentar como se dá a relção entre reguladores e fintechs.

ACVM é uma autarquia federal, criada pela Lei nº 6.385/76, vinculada ao Ministério da Economia, que tem como objetivos fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil. Ou seja, ela é responsável por regular qualquer categoria de fintech que tenha relação ao mercado de valores mobiliários (ações, debêntures, cotas de fundos de investimento, etc).

Já o BACEN é uma autarquia federal, criada pela Lei nº 4.595/1964, vinculada, mas não subordinada, ao Ministério da Economia, que tem como objetivos múltiplas atividades, tais como manter a inflação sob controle, regular e fiscalizar o sistema financeiro, ser o banco do Governo Brasileiro, regular e fiscalizar os Bancos e emitir dinheiro em espécie[1]. Ou seja, ele será responsável por regular qualquer categoria de fintech que tenha relação com o Sistema Financeiro Nacional ou o Sistema de Pagamento Brasileiro. 

Nos últimos anos, esses dois reguladores têm demonstrado um grande interesse pelo ecossistema de fintechs. Um é a recente criação do Núcleo de Inovação em Tecnologia Financeira (Fintech Hub) da CVM.

O Fintech Hub tem como objetivo acompanhar e monitorar o desenvolvimento de novas tecnologias financeiras, desenvolvendo ações educacionais e instrutivas, conforme afirma José Alexandre Cavalcanti Vasco, Superintendente de Proteção e Orientação aos Investidores da CVM: 

Novas tecnologias financeiras que equilibrem ganhos de eficiência com a proteção do investidor e a integridade do mercado de capitais devem ser apoiadas e encorajadas. Dentro dessa visão aberta à inovação, a CVM tomou a iniciativa de estruturar o Núcleo de Fintech com foco, também, na educação e orientação, para esclarecer dúvidas e orientar desenvolvedores sobre características e regras do mercado de capitais. Isso, inclusive, já tem ocorrido por meio do Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC).[2]

Esse crescimento do mercado fintech já vem criando marcos regulatórios no Brasil, como a recente Instrução Normativa 588, que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte realizada com dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo, popularmente conhecida como equity crowdfunding. Em síntese, trata-se de investimentos públicos e coletivos realizados em empresas em troca de participação societária. 

Cabe destacar também a recente pesquisa desenvolvida pela CVM, que pretende compreender a adoção de novas tecnologias financeiras no mercado de capitais:

A pesquisa pretende fotografar o estágio atual de desenvolvimento atual das tecnologias financeiras no mercado de capitais brasileiro, fornecendo informações úteis não apenas à Autarquia, mas também para o mercado. Para tanto, é fundamental a ampla participação do setor nesse levantamento, para que seus resultados, posteriormente publicados, sejam representativos”, comentou o Superintendente de Proteção de Orientação aos Investidores, José Alexandre Vasco (SOI).[3]

No relatório anual da CVM, de 2016, a autarquia destacou que Governança Corporativa e Fintechs foram os temas destaques daquele ano:

A CVM entende que o fortalecimento do mercado de capitais, fonte complementar de financiamento às atividades produtivas, com impactos positivos no desenvolvimento econômico social, passa, necessariamente, pelo contínuo aprimoramento das práticas de governança corporativa das companhias abertas, especialmente com relação aos órgãos de administração. O desafio também é grande à luz das inovações em processos e produtos nos mercados de capitais. As disrupções tecnológicas levam necessariamente a transformações sociais, econômicas e culturais, e isso deve ocorrer em uma velocidade crescente nos próximos anos, exigindo novas respostas e uma contínua reinvenção de todos: reguladores, empresas e investidores.[4]

Especificamente sobre as fintechs, a CVM declarou em seu relatório que:

As aplicações da Fintech estão se desenvolvendo em um ritmo cada vez mais rápido, criando oportunidades aos investidores, tais como: maior facilidade para comparar opções, custos e retornos de investimento; maior acessibilidade a investimentos baseados em teorias avançadas de finanças; maior possibilidade de diversificação; e maior inclusão financeira, especialmente para os mercados de países emergentes.[5]

Dessa forma, a CVM incluiu, dentro de seu planejamento bienal de 2017 e 2018, aumentar a atenção com as fintechs, pois “essas tendências estão estimulando os reguladores de valores mobiliários a adotar medidas proativas, que equilibrem os ganhos de eficiência e de inclusão das novas tecnologias com a proteção do investidor e a integridade do mercado”[6].

Outro indício do aumento do interesse público sobre as fintechs é o grupo de trabalho criado, através da Portaria BCB nº 89.399, de 3 de junho de 2016, pelo Banco Central, que tem como objetivo elaborar estudos sobre inovações tecnológicas relacionadas com o Sistema Financeiro Nacional e o Sistema de Pagamento Brasileiro, conforme informado no relatório de Estabilidade Financeira[7] publicado pelo Banco Central em setembro de 2016.

Já no Relatório de Economia Bancária de 2017, o BACEN informou que estava acompanhando e atuando de forma coordenada para entender as inovações tecnológicas digitais relacionadas com as atividades do âmbito do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro, avaliando quais seriam os potenciais impactos que as fintechs causariam no funcionamento destes sistemas: “O ecossistema de startups intensivas no uso de tecnologia financeira (fintech) apresentou crescimento nos últimos anos. Essas empresas diferem em porte, em estágio de operação e em segmento de atuação”[8].

No Relatório de Economia Bancária de 2017, o BACEN utilizou um capítulo inteiro para descrever as fintechs no Brasil e o crescimento desse ecossistema:

Além de seis bancos digitais em operação, a recente edição do Radar FintechLab registrou a existência de 332 empresas atuantes no Brasil em novembro de 2017 (aumento de 36% em 9 meses). Essas empresas diferem em porte, em estágio de operação e em segmento de atuação.[9]

 Já nesse mesmo relatório, o BACEN destacou que está monitorando os segmentos de pagamentos, gestão financeira, empréstimos, investimentos, financiamento privado, seguros, negociação de dívidas e criptoativos. Além de ressaltar que “[…] alguns desses segmentos já fazem parte do escopo de reguladores, como da CVM e da Superintendência de Seguros Privados (Susep).”[10].

Seguindo a estratégia de monitorias e de observar as fintechs, em 09 de maio de 2018, o BACEN lançou o Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas (LIFT):

Esse é um ambiente virtual colaborativo com a Academia, o mercado, as empresas de tecnologia e as startups, destinado ao desenvolvimento de novidades tecnológicas, à troca de conhecimentos e à avaliação dos resultados dos experimentos. A iniciativa, realizada em parceria com a Federação Nacional das Associações de Servidores do Banco Central (Fenasbac) e com o apoio de empresas de tecnologia, faz parte do esforço do BCB para fomentar a inovação tecnológica no SFN.[11]

A criação do LIFT demonstra o posicionamento do BACEN em possibilitar o desenvolvimento de soluções tecnológicas com potencial de geração de valor para o setor financeiro. Além disso, o BACEN também deixa claro que se está passando por um momento de transição e inovação, sendo necessária sua atuação como agente condutor dessa transição:

Portanto, reguladores devem permanecer ágeis em avaliar e, quando cabível, responder a mudanças no mercado, revisando e ajustando o perímetro regulatório e supervisório. O BCB vem promovendo exatamente essa agenda, em diálogo com o mercado […].[12]

No Relatório de Economia Bancária de 2017, o BACEN também surpreendeu o mercado de fintechs quando lançou a Agenda B+, que possui como objetivos pontos estruturais do Banco Central do Brasil e do Sistema Financeiro, sendo organizado em 4 pilares: “Mais cidadania financeira, Legislação mais moderna, SFN mais eficiente e Crédito mais barato”[13].

Como é possível perceber, o BACEN, desde meados de 2016, já estava atento quanto às mudanças provocadas pelas fintechs no mercado financeiro. Então, seria questão de tempo para que sua atuação como regulador também passasse a afetar as fintechs. Mas essa atenção do BACEN não parece ser passageira e ainda permanece muito ativa, talvez até ainda mais ativa, no ano de 2019.

Em maio de 2019, o Banco Central do Brasil lançou a Agenda BC#, modificando a Agenda B+, onde definiu que as ações da autarquia monetária para os próximos anos são implementar os pagamentos instantâneos, possibilitar o Open Banking e criar mecanismos contra o risco cibernético.

Com isso, o mercado de tecnologia financeiro fervilhou ainda mais depois do discurso do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, citando que o mercado de fintech veio para ficar e que o Open Banking é um movimento sem volta:

Esse crescimento tecnológico, que tem acontecido nos últimos anos, ele tem sido muito importante e ele vai guiar a sociedade em um caminho bastante diferente do que vinha trilhando até então.

Para o Sistema financeiro, o que eu digo é que essa mudança da tecnologia significa o que a gente chama de quatro Ds, que é Democratizar, Digitalizar, Desburocratizar e Desmonetizar.

Para mim o Open Banking vai ser muito, muito importante para essa confluência de fintechs, de indústrias, de plataformas novas que querem oferecer serviços.

A gente tem que criar um sistema onde a barreira de entrada seja baixa e onde o UX, a experiência do usuário, seja alguma coisa que o beneficie.[14]

 Por fim, Roberto Campos Neto dá o seu – e também do BACEN – recado final, destacando a importância das fintechs no mercado financeiro: 

Então, diante disto, eu estou certo que esse movimento de fintechs veio para ficar, esse movimento da inovação veio para ficar. Esse ciclo de tecnologia, criando serviço, que cria emprego, que cria salário, que cria consumo de tecnologia neste ambiente, veio para ficar.[15]

O próprio movimento de Open Banking demonstra o esforço do Banco Central do Brasil em abrir o mercado financeiro às fintechs.

 asicamente, Open Banking é o movimento de determinar que os dados são do cliente do banco e que o mesmo pode solicitar que a instituição bancária transfira as informações para quem o cliente achar necessário. Ou seja, o cliente do banco tem liberdade para fazer o que quiser com os seus dados, sendo o banco obrigado a ceder ou transferir esses dados para quem o cliente decidir.

Há algum tempo as fintechs já vêm trabalhando com Open Banking nos seus mais diversos níveis. Um exemplo é o GuiaBolso[16], que consegue sincronizar o extrato bancário do usuário com o seu aplicativo. O usuário tem acesso a diversas informações baseadas em seus dados bancários, como, por exemplo, onde o dinheiro é gasto, classificação dos gastos, entre outros. Outro exemplo é o Conta Azul[17], sistema de gerenciamento financeiro para empresas, que sincroniza o extrato bancário da empresa com o controle financeiro.

Mas hoje, basicamente, as fintechs têm que fechar parcerias com os bancos para terem acesso a essas informações, por mais que os clientes queiram que as mesmas tenham acesso aos seus dados. O GuiaBolso é um ótimo exemplo onde o usuário autoriza que o aplicativo tenha acesso ao seu extrato. Porém, as instituições bancárias tradicionais não permitem.

Atualmente, o GuiaBolso possui uma tecnologia que consegue acessar esses dados, por mais que os bancos não queiram. Esse movimento da empresa gerou a primeira batalha judicial entre fintechs x bancos, o caso GuiaBolso x Bradesco[18].

O empenho do Governo e do BACEN em viabilizar o Open Banking é tanto que o Ministério da Fazenda, em abril de 2019, ingressou como parte interessada no processo, temendo que o crescimento de fintechs fique comprometido caso a Justiça decida em favor do Bradesco. Dessa forma, o Ministério de Fazenda pediu que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) abra uma investigação contra o Bradesco por suposto abuso de poder dominante[19].

 Mas, também há bancos pioneiros em se relacionar de forma saudável com as fintechs, como o Banco do Brasil, que já disponibiliza APIs (Application Programming Interface) para se conectar com outros serviços providos por fintechs, como é o caso do Conta Azul[20].

Outra forma mais rudimentar de Open Banking é a oferta de serviços financeiros através de fintechs, que atuam como Correspondentes Bancários, onde já fizemos um vídeo sobre esse assunto aqui.

Como é possível perceber, os reguladores e o Governo estão abertos e atentos ao crescimento do mercado de fintechs, tomando atitudes positivas e de abertura de mercado até o momento. 

Mesmo o recente caso envolvendo o Bacen e o sistema de pagamento do Whatsapp consegue manchar esta relação positiva até o momento.

Para finalizar, elenco aqui uma lista de artigos e vídeos sobre regulação de fintechs que já fizemos:

 

Dúvidas sobre reguladores e fintechs? A equipe do Silva | Lopes Advogados pode te ajudar!

 

*Lopes é CEO do Silva | Lopes Advogados.

_______ 

[1]   Id. Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4595.htm. Acesso em: 01 jun. 2019.

[2]   Id. CVM lança pesquisa sobre Fintech. Disponível em: . Acesso em: 06 fev. 2017.

[3]   COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. CVM lança pesquisa sobre Fintech. Disponível em: https://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2016/20160831-1.html. Acesso em: 06 fev. 2017.

[4]   Id. Relatório Anual 2016. Disponível em: https://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/publicacao/relatorio_anual/anexos/Relatorio_Anual_2016.pdf. Acesso em: 01 mar. 2018.

[5]   Id. Relatório Anual 2016. Disponível em: https://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/publicacao/relatorio_anual/anexos/Relatorio_Anual_2016.pdf. Acesso em: 01 mar. 2018.

[6]   COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Relatório Anual 2016. Disponível em: https://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/publicacao/relatorio_anual/anexos/Relatorio_Anual_2016.pdf. Acesso em: 01 mar. 2018.

[7]   BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de estabilidade financeira. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/htms/estabilidade/2016_09/refSPB.pdf. Acesso em: 01 jun. 2019.

[8]   Id. Relatório de economia bancária 2017. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/pec/depep/spread/REB_2017.pdf. Acesso em: 01 jun. 2019.

[9]   BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de economia bancária 2017. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/pec/depep/spread/REB_2017.pdf. Acesso em: 01 jun. 2019.

[10] Ibid.

[11] Ibid.

[12] Ibid.

[13] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de economia bancária 2017. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/pec/depep/spread/REB_2017.pdf. Acesso em: 01 jun. 2019.

[14] Id. Presidente do BC fala sobre open banking. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tqEJUGWQPqw. Acesso em: 01 jun. 2019.

[15] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Presidente do BC fala sobre open banking. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tqEJUGWQPqw. Acesso em: 01 jun. 2019.

[16] GUIABOLSO. Disponível em: https://www.guiabolso.com.br/.

[17] CONTAAZUL. Disponível em: https://contaazul.com/.

[18] BRANT, Danielle. Bradesco trava disputa contra aplicativo que coleta dados de clientes. Folha de São Paulo, São Paulo, 28 nov. 2016. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/11/1836147-bradesco-trava-disputa-contra-aplicativo-que-coleta-dados-de-clientes.shtml. Acesso em: 30 mar. 2019.

[19] WIZIACK, Julio; CARNEIRO, Mariana. Fazenda entra em ação do Bradesco contra GuiaBolso. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/09/fazenda-entra-em-acao-do-bradesco-contra-guiabolso.shtml. Acesso em: 30 mar. 2019.

[20] BANCO DO BRASIL. BB for developers. Disponível em: https://developers.bb.com.br/pt-br/. Acesso em: 30 mar. 2019.