SAFE e Convertible Note: cuidados jurídicos

Cresceu o valor aportado nas startups brasileiras, como o mútuo conversível, derivado brasileiro dos investimentos SAFE e Convertible Note

SAFE e Convertible Note: cuidados jurídicos SAFE e Convertible Note: cuidados jurídicos

Por João Benz, Lucas Euzébio e Layon Lopes*

Nos últimos anos, observamos um crescimento exponencial do valor aportado nas startups brasileiras, a exemplo do mútuo conversível, derivado brasileiro dos investimentos SAFE e Convertible Note. Segundo dados de uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity, as startups do país captaram, em conjunto, mais de R$ 33 bilhões em investimentos no último ano, significando um montante três vezes maior do que os valores captados no mesmo período do ano anterior.

 

Conteúdo:

Qual é a diferença entre SAFE e Convertible Notes?

Qual o cenário atual do mercado de investimentos no Brasil?

Como ocorre a tributação do mútuo conversível?

 

Dentre os investimentos utilizados pelo mercado brasileiro, o Contrato de Mútuo Conversível é, sem dúvida, o principal motor de captação de investimentos utilizado atualmente, em especial para captações pequenas e médias. Sua utilização é muito usual em investimentos com anjos, aceleradoras, “fff” (friendfamily and fools), pré-séries A ou até uma série A. 

Mais tradicional e amplamente conhecido pelo mercado de investimentos antes mesmo do surgimento e popularização das startups, o mútuo conversível possui uma série de vantagens negociais para investidores e investidas, muito por conta da simplicidade de sua lógica negocial: o investidor aporta um empréstimo na sociedade, e, ao invés de reaver o aporte realizado, pode converter participação societária na empresa investida, após decorrido o percurso de tempo previsto em contrato.

O mútuo conversível, em outras palavras, nada mais é do que um crédito que pode ser utilizado para integrar ações, o capital social da companhia. Através da dação em pagamento, é possível que o mútuo seja quitado através do pagamento por ações. Esta modalidade de contrato de investimento, na prática, é muito parecida com investimentos norte-americanos bastante populares no mercado dos Estados Unidos, o Convertible Notes.  Além disso, o mútuo conversível guarda semelhanças com o Simple Agreement For Future Equity (SAFE).

Qual é a diferença entre SAFE e Convertible Notes?

O investimento convertible note é uma forma de investimento utilizada principalmente em startups em estágio inicial, as chamadas early stage. É um tipo de acordo de investimento em que um investidor fornece capital à empresa em troca de uma nota de dívida conversível em ações no futuro, em determinadas condições.

Em vez de receber ações imediatamente, o investidor recebe uma nota de dívida que normalmente possui um prazo de vencimento futuro. Essa nota tem a opção de ser convertida em ações da empresa em uma data posterior, geralmente quando ocorrer algum evento específico, como uma rodada de financiamento subsequente ou uma aquisição.

O principal benefício do investimento convertible note para o investidor é a flexibilidade. Se a empresa for bem-sucedida e levantar mais capital em rodadas futuras, a nota pode ser convertida em ações a um preço preferencial, permitindo ao investidor obter uma participação acionária maior do que se tivesse investido diretamente naquela rodada. Por outro lado, se a empresa não se valorizar como esperado, o investidor ainda tem a opção de recuperar seu investimento original, geralmente com juros.

Já o investimento SAFE, outra forma de acordo de investimento norte americano utilizado principalmente por startups em estágio inicial, foi como uma alternativa ao convertible note. O SAFE é um contrato simples que permite aos investidores fornecer capital à empresa em troca de direitos futuros sobre ações, sem especificar um prazo de vencimento ou uma taxa de juros como no caso do convertible note. Em vez disso, o investimento SAFE é convertido em ações da empresa em eventos de financiamento posteriores, como uma rodada de captação de recursos ou aquisição.

Na prática, o Mútuo Conversível é uma versão brasileira do Convertible Notes e a grande diferença para o SAFE, é que no SAFE a startup terá a garantia que o aporte será convertido em equity, ou seja, participação societária futura. Já no contrato de Mútuo Conversível, é viável as partes negociarem o direito do Mutuante (investidor), em escolher converter ou não. Em outras palavras, ele poderá cobrar o valor aportado como se o empréstimo fosse.

Qual o cenário atual do mercado de investimentos no Brasil?

O ecossistema brasileiro vem crescendo muito nos últimos anos e aceitando o apetite por risco no investimento em startups, sendo padrão de mercado encontrarmos investidores dispostos a correr o risco do negócio com o founder e não cobrar o aporte efetuado, uma vez que diversas startups estavam constituindo filiais/novas empresas no exterior, onde a prática de executar o contrato como empréstimo já não é comumente escolhida, o que representa, muitas vezes, maior tranquilidade para o founder.

Ainda é possível encontrar no ecossistema, investidores outsiders se denominando anjos e que, ao ver uma startup tendo retorno financeiro mínimo, querem a todo o custo ter o seu retorno financeiro o mais rápido possível e cobram antecipadamente o vencimento do Contrato de Mútuo e pagamento do empréstimo. Entretanto, essa prática vem diminuindo, em vista do alto grau de mortalidade da startup.

Neste momento anterior e até negocial, é importante as partes terem a parcimônia e tranquilidade de negociar os termos. É comum a ideia de que após a assinatura do contrato que este ciclo terminou. Porém, está apenas começando a relação entre as partes – onde o investidor, possivelmente, vire sócio/acionista da empresa. 

Como podemos ver no fluxograma, abaixo, a assinatura do contrato de Mútuo Conversível está longe de ser o fim do ciclo, em um padrão de mercado.

 

SAFE e Convertible Note

Como ocorre a tributação do mútuo conversível?

A formalização do investimento via mútuo conversível, investimento brasileiro derivado do Safe e do Convertible Note, ainda, possui uma série de particularidades de ordem tributária que possuem potencial para moldar negócios e acarretar modificações significativas na estrutura organizacional das empresas investidas, a exemplo de obrigatoriedades de mudança de tipo societário e, consequentemente, mudanças de regime tributário.

Adentrando ao tema principal, existem pontos muito importantes a serem observados pelo investidor e pelo founder na hora de realizar a operação. Uma prática de mercado muito bem observada e que, caso não esteja presente na negociação entre o investidor ou founder e que deve servir como alerta, é a previsão (ou ausência de previsão) da conversão do tipo societário para sociedade anônima (S.A.) de capital fechado.

Na conversão de um investimento via mútuo conversível, a transformação do tipo societário é de extrema importância, por isso vamos usar um exemplo: imagine uma empresa limitada (LTDA) com o capital social de R$ 10.000,00. Imagine que tal empresa possui três sócios e está captando R$ 1.000.000,00. Caso não exista a previsão de conversão para S.A. no momento de conversão dos investidores para sócios, irá incidir a tributação do ganho de capital, o tão conhecido “ágio”.

No exemplo acima, o capital social antes de R$ 10.000,00 que representava 100% agora representa apenas 1% de participação societária frente a entrada de um investidor que aporta R$ 1.000.000,00. Além de uma diluição totalmente abrupta com impactos societários, como perda de controle das decisões da empresa, o aporte será objeto de tributação pelo imposto de renda (IR) e contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), além de PIS e COFINS. Logo, é uma escolha péssima para ambas as partes, que irão deixar um percentual considerável para o fisco.

A cláusula de conversão do tipo societário para S.A. antes da efetiva conversão do investidor para acionista é extremamente relevante, pois não incidirá ágio na operação e não teremos o IR e CSLL na operação. No que toca o IOF, é importante ressaltar que caso o investidor seja pessoa jurídica, a operação terá a incidência do IOF e neste caso, não tem muita saída, sendo devido o pagamento na operação.

Ainda, um ponto relevante que está presente na estratégia do Contrato de Mútuo Conversível é a conversão, em média de mercado, no prazo de 3 a 5 anos. Tal prazo é importante pois a entrada do investidor via aquisição ou subscrição direta de quotas na sociedade irá inviabilizar a permanência da startup no sistema de tributação do Simples Nacional, o que muitas vezes é extremamente relevante para o momento que a empresa está passando.

Por fim, os pontos principais quando falamos em tributação neste tipo de contrato são: o aporte de valores, obtenção de rendimentos e eventual perdão da dívida.

A definição da carga tributária presente nos contratos dependerá de análise caso a caso. Porém, alguns tributos que a operação via contrato de Mútuo Conversível pode conter:

  • IRPF – Imposto de Renda da Pessoa Física sobre Rendimentos do Mútuo Conversível. As alíquotas previstas na legislação incidirão sobre Ganho de Capital na Conversão da Participação, que é a diferença entre o custo da aquisição e o valor da alienação no momento da conversão do mútuo;
  • IRPJ – Imposto de Renda da Pessoa Jurídica sobre Ganho de Capital;
  • PIS e COFINS; e
  • IOF.

O investidor precisa estar atento caso a startup não dê certo e a empresa venha a fechar. pois, o contrato de Mútuo Conversível é uma dúvida da startup com o investidor. Não é raro investidores perdoarem a dívida e darem a quitação do contrato de Mútuo Conversível com a empresa, o que poderá ser interpretado como perdão de dívida e doação do valor, e um fato gerador do imposto chamado ITCMD (Imposto sobre doação) – cujo seu cálculo e procedimento de recolhimento varia de estado para estado. 

Como verificamos, é imprescindível o acompanhamento de um advogado especialista na matéria, seja antes, durante ou após a negociação de um investimento, a fim de auxiliar a empresa a mitigar danos e definir a melhor estratégia sob o viés jurídico e tributário. 

Dúvida sobre SAFE e Convertible Note? A equipe do Silva Lopes Advogados pode te ajudar!

*Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados, Euzébio é sócio e CSO e Benz é integrante do time do escritório.