Contingências em M&A para startups: confira as mais comuns

Contingências em M&A têm impacto nas negociações, elaboração dos documentos definitivos, com a inclusão de cláusulas e condições específicas

Contingências em M&A para startups: confira as mais comuns Contingências em M&A para startups: confira as mais comuns

Por Paola Martins, Lucas Euzébio e Layon Lopes*

O termo M&A é bastante conhecido, e deriva da expressão oriunda do inglês Mergers and Acquisitions”, que, traduzido ao português, designa as operações de “Fusões e Aquisições” de empresas (“F&A”), e comumente designa, de forma genérica, as operações procedimento de reorganização societária que envolve a compra, a venda, a fusão ou a incorporação entre empresas ou investimentos, e que ocorre através de procedimentos financeiros e feixes e contratuais próprios. 

As empresas costumam adentrar à negociação de uma operação de M&A por diversos motivos, como busca pela inovação da atividade através de aquisição de ativos de novas tecnologias, exploração novos segmentos de negócios, colaboração, estratégia de otimização de custos operacionais, estratégias tributárias, expansão da presença no mercado ou mesmo consolidação em determinado segmento.

 

Conteúdo:

Quais são as etapas do M&A?

Quais são as contingências em M&A?

Avaliação das contingências em M&A 

Como são realizadas as negociações das contingências

 

Como a própria denominação já indica, ao tratar de um M&A se está diante de um complexo processo empresarial. Para fins de operacionalização de uma operação de M&A, é necessário que se estruture de forma muito estabelecida as etapas que tal operação deverá obedecer, os responsáveis por cada etapa, e quais feixes contratuais necessariamente serão elaborados para fins de perfectibilização da operação intentada.

Isto porque uma operação de fusão e aquisição de empresa, ou seja, um M&A, notadamente apresenta reflexos em todas as áreas das empresas envolvidas (compradora e empresa alvo), tais como, mas não se limitando à seara societária, propriedade intelectual, trabalhista, tributária, contratual, ambiental, criminal e, até mesmo, aspectos regulatórios, a depender do segmento de mercado em que as empresas envolvidas atuam.

 

Quais são as etapas do M&A?

As operações de M&A comumente geram impactos expressivos a todos os stakeholders, irradiando efeitos empresariais e até mesmo sociais. Não por acaso, todo e qualquer M&A se desenvolve através de diversas etapas, desde as discussões de aproximação, celebração de compromisso de sigilo e confidencialidade (Non Disclosure Agreement ou “NDA”), passando pela assinatura de uma carta preliminar que estabelece as intenções iniciais, a realização de auditoria da empresa alvo, a celebração de um contrato de compra, o cumprimento das condições precedentes e a realização dos atos de fechamento.

O M&A, a partir da aproximação entre as partes, acaba por gerar modificações estruturais nas empresas, de forma que cada uma das etapas do M&A são essenciais para o sucesso da operação.

Destaca-se, entretanto, o papel primordial desempenhado pela realização de auditoria na empresa target, fase esta denominada de “due diligence”. 

Tal auditoria tem sede após a celebração do compromisso inicial, momento em que as partes decidem por avançar com o compartilhamento de informações para fins de verificação de sinergia, interesses e eventuais riscos, verificando a saúde da empresa. Neste momento, a potencial compradora apresenta à target um check list com solicitações de documentos, informações e esclarecimento sobre aspectos societário, fiscal, contratual, de propriedade intelectual, imobiliário, contábil e tributário.

A perspectiva de rentabilidade e possíveis passivos podem ser considerados no momento da definição do preço da operação. Apuram-se, portanto, informações suficientes para se identificar eventuais riscos de eventos que possam vir a se configurar em um futuro pós fechamento da operação. A estes eventos, se atribui o nome de contingências em M&A, ou seja, eventualidades mapeadas como de ocorrência incerta, porém possível ou mesmo provável.

A etapa da due diligence se estende por um período rotineiro de até 90 dias, a depender da complexidade do deal e da empresa target. Esta auditoria é realizada a fim de encontrar, em uma matriz de risco, um score de risco da operação, e identificar se os riscos descobertos podem ou não ser mitigados através de contingenciamento, ou seja, medidas efetivas que precisarão ser adotadas pela empresa target para que o risco atrelado ao deal, para a potencial compradora, mantenha a relação do binômio “risco do negócio” e “vantagem intentada” equânimes.

A averiguação das contingências em M&A e as medidas de contingenciamento atreladas impactam diretamente as negociações dos documentos definitivos que serão assinados no momento do fechamento da operação, posto que tais contingência e contingenciamentos poderão constar em cláusulas contratuais, além de impactar no preço atrelado ao negócio, e no valuation relacionado à operação.

Portanto, em um processo de M&A, por ser tratar de operação de cunho interdisciplinar e com impacto para múltiplas partes e stakeholders, faz-se imperiosa a realização de due diligence, a qual identifica contingências em M&A e suas respectivas medidas de contingenciamento, o que poderá modificar as negociações havidas, as cláusulas do instrumento de fechamento e o valuation do deal.

 

Quais são as contingências em M&A?

Para fins de esclarecer o impacto das contingências em um processo de M&A, bem como apresentar as contingências mais comuns em um M&A, com principal destaque quando esta operação ocorre na esfera de uma startup, mostra-se importante definir os termos utilizados em cláusulas dos documentos definitivos que operam o fechamento do negócio de M&A que dão conta da matéria das contingências, como se verá a seguir.

Buscando uma significância da própria linguagem empregada, de acordo com o dicionário Michaelis, contingência é “caráter ou qualidade do que é contingente. Dúvida quanto à possibilidade de uma coisa acontecer ou não. Fato cuja ocorrência é possível, porém incerta; eventualidade, imprevisto”.

Dentro de uma operação de M&A, a expressão contingência é utilizada para designar questões que, uma vez verificadas em due diligence, se mostram possíveis ou prováveis de ocorrer após o fechamento do negócio, e neste impactarão de forma frontal, ou seja, modificando as premissas negociais de definição originárias das negociações que deram razão à aproximação entre as partes e da oferta inicial. 

Portanto, no momento do fechamento, a contingência pode estar, ou não, efetivamente materializada, porém, em razão de seu impacto à operação, acaba sendo interessante ao deal que se fixe medida de contingenciamento, ou seja, alguma espécie de compensação que vise diminuir o impacto de tal fator, para preservar as intenções originais das partes. 

São exemplos de contingência comumente identificadas em operações de M&A cláusulas de retenção de valores como, escrow account, earn out, de minimis clause, basket clause, cap, holdback, tail, dentre outros.

Existem diversas contingências que podem surgir em um processo de M&A, como questões de propriedade intelectual, trabalhistas, tributárias, regulatórias, entre outras. Dentre as inúmeras possibilidades de matérias que podem ensejar contingenciamento, é comum que as seguintes esferas apuradas na due diligence apresentem relevante impacto:

Propriedade intelectual: ausência de registro, ou, ainda, registro indevido, de marcas, softwares ou domínios que sejam essenciais à atividade desenvolvida pela empresa target, gerando risco de que a potencial compradora, após o fechamento do deal, tenha a exploração da atividade prejudicada. 

São medidas utilizadas para contingenciamento destes aspectos: redução do preço de aquisição, obrigação de registro ou cessão de registro.

Trabalhistas: identificação de irregularidades operadas pela empresa target na esfera trabalhista, como ausência sistemática de pagamento de verbas devidas ou contratações simuladas (pejotização indevida), demissões questionáveis, ou existência de reclamatórias trabalhistas que podem se materializar em passivo.

São medidas utilizadas para contingenciamento destes aspectos a retenção de valores até o encerramento prescricional dos potenciais riscos, ou, ainda a exigência de regularização extrajudicial, através de acordos com os colaboradores e aditivos aos contratos firmados.

Tributário e fiscal: ausência de recolhimento de tributos devidos ou tributos recolhidos indevidamente, problemas com regime fiscal, ou existência de processos administrativos fiscais ou mesmo execuções fiscais já em trâmite, que podem se materializar em passivos. 

São medidas utilizadas para contingenciamento destes aspectos a retenção de valores até o encerramento prescricional dos potenciais riscos, ou, ainda, a exigência de regularização mediante pagamento ou parcelamento.

Regulatório: Não observância das normas regulatórias aplicáveis à atividade desenvolvida. São medidas utilizadas para contingenciamento destes aspectos a retenção de valores até o encerramento prescricional dos potenciais riscos, ou, ainda a exigência de regularização mediante adequações à regulação aplicável.

Societário: Existência de ex-sócios que não tenham recebido justos valores em suas saídas, existência de sócios de fato não incorporados ao contrato social da empresa target, ou, ainda, existência de outras empresas em grupo empresarial que estejam enfrentando processos que possam conduzir à desconsideração da personalidade jurídica. São medidas utilizadas para contingenciamento destes aspectos a retenção de valores até o encerramento prescricional dos potenciais riscos, a celebração de acordos com sócios e ex-sócios, firmando-se a respectiva quitação, a operação de reestruturação do grupo societário.

Contratual: Inexistência de contratos firmados com clientes e fornecedores. São medidas utilizadas para contingenciamento destes aspectos a redução do valor do deal e a celebração dos contratos devidos.

 

Avaliação das contingências em M&A 

Uma vez identificadas as contingências em M&A, é necessário realizar a avaliação das mesmas, posto que nem toda a contingência representará o mesmo impacto ao deal a ser celebrado.

Assim, é importante que as partes avaliem as contingências para que possam precificar a transação de forma adequada. 

A avaliação das contingências, a partir do apurado em due diligence, deve ser realizada por um time de especialistas que auxiliará a potencial compradora no fechamento da operação, como advogados, contadores e economistas, em principal para que se busque contingenciar riscos e passivos que podem decorrer de erros ao longo do procedimento de M&A, por ausência de contato usual com a matéria.

Cabe a estes profissionais especialistas apresentar, após a due diligence, seus respectivos relatórios técnicos, onde apresentam todas as contingências apuradas, e apuram o impacto que entendem existente à operação a partir do deal negociado e das condições particulares da potencial compradora e da empresa target

A partir do relatório formulado, tem-se, portanto, a avaliação das contingências, de acordo com suas particularidades, de forma a efetivamente precificar e balizar os impactos ocasionados pelas contingências identificadas. 

 

Como são realizadas as negociações das contingências

O mapeamento das contingências atreladas ao deal de M&A, bem como o resultado da avaliação realizada sobre cada uma delas, inaugura, assim, a etapa de negociação das contingências, através da discussão das minutas dos documentos finais.

É dentro dos documentos definitivos que as partes negociarão a forma como as contingências identificadas apareceram no impacto na operação de M&A em tela. Neste cenário, as partes discutem a inserção de cláusulas e dispositivos contratuais que realizem a mitigação dos riscos apurados na due diligence.

Dentre tais cláusulas e mecanismos mais usuais, destacamos:

Escrow Account: é o mecanismo pelo qual uma parte terceira é chamada a fazer a guarda de pagamentos atrelados ao deal até que certas condições da operação sejam cumpridas.

De minimis clause: realiza uma limitação da responsabilidade do vendedor diante do comprador, onde as partes estabelecem um limiar de materialidade num montante monetário fixo, cujo limite o comprador deverá observar em eventual reclamação. O comprador só pode reclamar uma indemnização por violação das garantias contratuais quando este limiar for ultrapassado, protegendo assim o vendedor contra pedidos de indenização tidos como “menores”, e que, apuradas as contingências, as partes acabam considerando irrelevantes em relação ao preço de compra.

Basket clause: As partes acordam num agrupamento necessário de pedidos de indemnização do vendedor contra o comprador, de forma a indenizar estes créditos de uma só vez, conjuntamente.

Cap: Define um limite máximo de indenização pelo vendedor ao comprador, o qual, se excedido, o vendedor não terá obrigação de indenizar.

Holdback: Mecanismo contratual a serviço do comprador, que permite que este retenha parte do pagamento ao vendedor até que determinadas condições pós fechamento da operação sejam atendidas. 

Tail: Estabelece um período no qual o vendedor terá o direito de receber uma compensação financeira em razão de alguma questão apurada na negociação do deal, mesmo após o seu fechamento.

Diante do exposto, vê-se que em um processo de M&A, em razão de ser operação de cunho interdisciplinar e com impacto para múltiplas partes e stakeholders, a realização de due diligence, para fins de identificar contingências e suas respectivas medidas de contingenciamento é essencial, o que poderá modificar as negociações havidas, as cláusulas do instrumento de fechamento e o valuation do deal.

Além disso, percebe-se que as contingências apuradas terão impacto nas negociações entre as partes, na elaboração dos documentos definitivos, com a inclusão de cláusulas e condições específicas, podendo, assim, ter reflexos após o fechamento da operação de M&A.

Dúvidas? A equipe do Silva Lopes Advogados pode te ajudar!

*Lopes é CEO do Silva Lopes Advogados, Lucas Euzébio  e Martins é integrante do time do escritório.